Cortar asas ou orientar voos?

Vários estudos demonstram que a iniciação das crianças nos processos artísticos permite cultivar, desde bem cedo, a criatividade e a iniciativa, a inteligência emocional, a capacidade de reflexão crítica, o sentido de autonomia e a liberdade de pensamento e acção.

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Matilde Fieschi

Para início de conversa, tenho por oportuno referir que a criatividade tem sido apontada pelo senso comum como um fenómeno mágico e misterioso, que acontece no ser humano independentemente das circunstâncias e do meio no qual ele está inserido.

Entende-se a criatividade como um processo psíquico, que se desenvolve no indivíduo desde muito cedo, logo desde a infância.

A criatividade é inerente à natureza humana e manifesta-se em maior ou menor grau, dependendo das condições ambientais, sociais e culturais. Importante será ressalvar, no entanto, relativamente aos factores culturais, que estes podem interferir nos níveis de criatividade, mas não na sua origem.

Se recordarmos o início da maravilhosa obra O Principezinho, de Saint-Exupéry, veremos a maneira como aludia à sua experiência como “desenhador criativo”, enquanto criança, em conversa com um adulto: “(…) Mostrei a minha primeira obra-prima às pessoas crescidas e perguntei-lhes se o meu desenho lhes metia medo (...) recomendaram-me que me dedicasse de preferência à geografia, à história, ao cálculo e à gramática. Perante a resposta concluí: (…) foi assim que abandonei, aos seis anos, uma esplêndida carreira de pintor (...).”

Este breve relato feito no começo da história remete-nos para a reflexão sobre a necessidade de se alimentar, desde muito cedo, a criatividade das crianças com estímulos adequados, uma vez que é na infância que a imaginação flui com maior naturalidade e facilita o acto de compreender e inovar. Se o não fizermos, corremos o sério risco de a perder.

Vários estudos demonstram que a iniciação das crianças nos processos artísticos permite cultivar, desde bem cedo, a criatividade e a iniciativa, a inteligência emocional, a capacidade de reflexão crítica, o sentido de autonomia e a liberdade de pensamento e acção.

A verdade é que, no dia-a-dia, as crianças não dispõem de tempo para brincar e para criar. Se passam os dias lectivos entre as aulas, as actividades extracurriculares e os trabalhos de casa, não vão dispor de tempo nem para brincar nem para desenvolver e executar actividades nas quais se possam sentir livres e criativas.

É sabido que, hoje, para o desempenho profissional, já não basta ter realizado estudos específicos, é preciso demonstrar ser-se capaz de resolver problemas de forma rápida e, principalmente, criativa.

Também à escola, enquanto instituição, compete desempenhar um papel importantíssimo neste domínio, porquanto será através das actividades desenvolvidas diariamente que poderá favorecer a capacidade de criar, inventar, imaginar, fantasiar.

Apostar nas habilidades criativas dos alunos favorece a sua adaptação às demandas do contexto social, científico e tecnológico; facilita que aprimorem a sua capacidade de criar, modificar e produzir novos conhecimentos, estruturando a sua própria aprendizagem e tornando o processo de formação em algo agradável e motivador nas diversas áreas de conhecimento.

A criatividade não é algo que acontece por acaso. Pode ser deliberadamente desenvolvida, cabendo à escola maximizar as oportunidades de expressão da criatividade nos processos de ensino e aprendizagem.

Também neste campo os pais ou os cuidadores principais, como agentes directos, deverão potenciar desde cedo as aptidões das crianças, uma vez que, quanto mais cedo as motivarem através do elogio, maiores serão as suas capacidades criativas, maior será a sua apetência para continuar a criar, permitindo-lhes ousar, imaginar, inventar.

Sabemos bem que as crianças são detentoras de um potencial criativo inimaginável. No entanto, o seu aperfeiçoamento dependerá de um clima propício e de como serão estimuladas no decurso do seu desenvolvimento, no contexto escolar e familiar.

Os especialistas em educação e ensino confirmaram, há muito, que o professor criativo consegue alunos altamente motivados, razão pela qual a criatividade deve ser uma das ferramentas usadas na sala de aula para educar, ensinar, motivar os alunos, tornando as aprendizagens significativas.

Quando brincam livremente, as crianças dão asas à sua criatividade e não devem ser influenciadas por qualquer intervenção dos adultos; devem receber sempre um elogio e a demonstração de se compreender o que estão a ver ou a fazer.

A capacidade de imaginar situações originais ou de criar soluções para problemas concretos é inerente a todo ser humano. Nas crianças, a criatividade é um impulso natural e recorrente, que pode e deve ser estimulado.

Na verdade, a sociedade em que vivemos apela a pessoas criativas, capazes de observar a realidade através de novos olhares. Assim sendo, não podemos deixar de realçar a inegável importância do lugar que a criatividade ocupa no contexto do desenvolvimento integral das crianças.

Durante a infância, desenvolvem uma capacidade criativa sem limites, têm ideias originais de uma forma natural e imaginam mundos de fantasia.

E todos nós nascemos criativos, embora, à medida que vamos crescendo e ganhando responsabilidade e obrigações, a nossa criatividade vá diminuindo progressivamente.

A curta-metragem animada Alike, dirigida pelos espanhóis Daniel Martínez Lara e Rafa Cano Méndez, leva-nos a reflectir sobre a necessidade de potenciar a criatividade das crianças, para que esta não desapareça das suas vidas à medida que forem crescendo.

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