Seca impede abertura da Lagoa de Santo André ao mar

O baixo nível da água concentrada no sistema lagunar não aconselha a sua abertura ao mar devido às condições climáticas “particularmente desfavoráveis” que o sul do país enfrenta.

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A lagoa não será aberta ao mar Miguel Manso

Ao contrário do que aconteceu em anos anteriores, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) informam que este ano “não terá lugar” a operação de ligação da lagoa de Santo André ao mar. As condições climáticas “particularmente desfavoráveis” que aqueles organismos relacionam com a situação de “seca extrema”, que afecta em particular o sul de Portugal, justificam a decisão.

O volume “extremamente baixo” de água acumulada na lagoa, que se verifica no presente ano, não teria potencial hidráulico suficientemente forte para garantir a limpeza dos fundos no momento do rompimento da barra, salienta o comunicado emitido pela APA. Nestas circunstâncias não é possível manter o canal aberto durante um período de tempo razoável de forma a permitir garantir a troca de água doce e salgada em volumes minimamente razoáveis.

A geóloga Anabela Cruces, que há mais de 20 anos integra uma equipa multidisciplinar que acompanha o comportamento lagunar de Santo André, que ocupa uma superfície com cerca de 500 hectares, explicou ao PÚBLICO “não ser esta a primeira vez” que a abertura do canal é cancelada. O registo histórico “diz-nos que existem alguns hiatos temporais” em que o sistema lagunar não foi aberto ao mar desde que há informação sobre este tipo de acontecimentos, ou seja, a partir do século XVII. “Estamos a viver uma situação extremamente crítica na escassez de água”, acrescenta a investigadora, dando conta que a baixa reserva no caudal da lagoa, que neste momento se observa, pode não ser problema para a ictiofauna “se os níveis de oxigénio se mantiverem” até ao fundo sedimentar.

Por outro lado, os poucos metros da coluna de água no interior do espaço lagunar podem não ser suficientes para concretizar o processo de renovação. Com efeito, a experiência recolhida noutras situações análogas demonstra que a maré oceânica não se propaga para o interior da lagoa com o dinamismo que garanta a troca de água necessária. Nestas circunstâncias, a barra de maré aberta pela intervenção humana encerra ao fim de poucas horas ou dias e facilita o assoreamento da lagoa. A entrada das águas oceânicas arrasta sempre um volume considerável de areia que acaba por ficar retida. Em situações normais, a abertura da barra de maré pode manter-se por mais de um mês e até pode chegar aos 2,5 meses se a lagoa apresentar um elevado volume de água.

Abrir um canal no areal que separa a lagoa do oceano é uma operação que se tem repetido ao longo de séculos e se fosse executada nesta altura do ano, “seria potencialmente prejudicial para as comunidades de peixes, com prejuízos para a actividade piscatória, pois seria provável a altura de água neste corpo lagunar ficar ainda mais baixa”, refere a APA.

Proceder à abertura da lagoa, neste momento “assumidamente tardio, em matéria de variedade de peixes, não iria resultar na entrada no sistema de alevins de enguia prateada”. Acresce ainda que um significativo número de espécies de aves, com “elevado valor conservacionista e estatuto formal de protecção”, se encontra em plena época de reprodução, com ninhos construídos e posturas iniciadas.

Colocadas perante uma situação que não é recorrente, a APA e o ICNF, depois de terem informado o conjunto de entidades - Capitania do Porto de Sines, Câmara de Santiago do Cacém e a Junta de Freguesia de Santo André - “habitualmente” envolvidas na abertura da Lagoa de S. André ao mar, decidiram cancelar a operação. Chegou a estar programada para o dia 18 de Março e, posteriormente, adiada para o próximo dia 31, aproveitando do equinócio da Primavera, momento em que se observam maiores amplitudes nas marés vivas.

Próximo do sistema lagunar de Santo André, a chamada Lagoa da Sancha está praticamente reduzida à condição de paul. Anabela Cruces considera mais apropriada a sua classificação como interdunar húmido pois trata-se “de uma zona húmida entre duas cristas de dunas” que terá tido o início da sua formação, no contexto de evolução deste litoral, há cerca de 4600 anos com a subida do nível do mar e hoje ocupa uma área com apenas 15 hectares”.

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