Os músicos silenciados na Rússia em guerra

No início do conflito, o Russian Media Group anunciou o banimento de vários músicos pela sua postura “arrogante”. Posteriormente, foi divulgada nos media uma lista de negra. Oxxxymiron, um dos rappers mais famosos do país, deixou de actuar na Rússia. Toca no estrangeiro em concertos de recolha de fundos para os refugiados ucranianos.

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Boris Grebenshikov, o "avô do rock russo", foi banido por classificar a invasão russa como "uma loucura" Ivan Marchuk, CC BY-SA 4.0 <https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0>

Como todas as vozes dissidentes na Rússia, também os seus músicos que se oponham à guerra na Ucrânia sofrem as consequências da sua tomada de posição. Pouco após o início do conflito, o Russian Media Group, um conglomerado nas mãos do Estado russo desde 2016, que detém várias estações de rádio e um canal televisivo de música, o RU TV, emitiu um comunicado em que anunciava que vários artistas e bandas ucranianas, bem como músicos russos, estavam banidos das suas sintonias e ecrãs pelas “duras declarações emitidas em relação à Rússia no contexto da difícil situação vivida entre a Rússia e a Ucrânia”. Dado que a atitude de tais músicos se mostrava “arrogante” e “insolente” para com os ouvintes e telespectadores russos, não restou outra hipótese que não censurar a sua presença nos canais do grupo, justificou o Russian Media Group.

Naquele caso, a decisão de banir os músicos, bem como os seus nomes, foi anunciada publicamente. O cantor ucraniano Ivan Dorn publicara um vídeo no Instagram em que pedia aos russos para “acabar com esta catástrofe” e para não colaborarem numa “guerra assassina”. Boris Greenshchikov, a quem chamam “Avô do rock russo”, músico respeitadíssimo na Rússia e na ex-União Soviética, onde nasceu em 1972 a banda de que é vocalista, os Aquarium, classificou num post nas suas redes sociais como “uma loucura” a ofensiva russa na Ucrânia. Ambos foram banidos pelo Russia Media Group. Outro músico incluído, o rapper Oxxxymiron, um dos nomes mais fortes do hip hop russo, cancelou a digressão que tinha marcado para o país e encontra-se neste momento a viajar por países como a Turquia ou Inglaterra, dando concertos, sob o título “Russos Contra a Guerra”, cujos lucros revertem para o apoio dos refugiados ucranianos.

Posteriormente, foi divulgada nos media russos uma lista negra de músicos, supostamente enviada a promotores e a salas de concertos, exigindo que aqueles fossem proibidos de actuar. Segundo uma reportagem da BBC, a origem da lista não é conhecida e a sua autenticidade não foi confirmada. De acordo com os agentes musicais locais, tal é a norma na Rússia de Putin. “Nunca há indicação de onde vêm [estas listas] – não há nome, número de telefone, e-mail, selo oficial”, explica à BBC a agente musical Elena Saveleva. O objectivo é forçar a censura das vozes incómodas sem que tal seja reconhecido oficialmente. Ainda assim, afirma Saveleva, a intimidação surge habitualmente através de serviços de segurança regionais, cujos agentes ameaçam aqueles que insistam em programar conteúdos vistos como indesejados com multas ou mesmo com o encerramento de salas.

Pavel Kamakin, director artístico de 16 Tons, uma das mais célebres salas de concertos de Moscovo, acredita que a lista pode ser falsa, dado que, como conta, o seu espaço é habitualmente o primeiro a ser visitado quando tais restrições são desejadas pelas autoridades, o que não aconteceu até agora. A dúvida sobre a veracidade da lista negra terá, porém, o efeito pretendido, levando agentes e promotores a não arriscarem trabalhar ou programar músicos nela incluídos. Confrontado com a censura por parte do Russia Media Group, Boris Greenshchikov, 68 anos, declarou: “Passei metade da minha vida sob um qualquer tipo de banimento. Houve banimentos nos anos 1970, banimentos nos anos 1980. Não há nada de incomum nisso. Depois as mesmas pessoas que te banem distinguem-te com prémios”.

Também conhecido como o “Bob Dylan russo” e imensamente popular na ex-União Soviética pela sua verve que, apesar de não ser abertamente política, deixava nas entrelinhas a sede de liberdade sentida num estado totalitário, Greenshchikov afirmava preferir a poesia ao protesto. Em 2014, quando a Rússia tomou a Crimeia e interveio no leste da Ucrânia, sentiu-se obrigado a alterar prioridades. Num ímpeto, gravou uma nova canção. O título vertido para português é Amor no tempo de guerra e os seus primeiros versos dizem, em tradução livre: “Não sei como saí aqui para fora/ mas aqui há um céu pesado sobre um caminho batido/ no fim do qual existe uma falsa promessa de serenidade”. Oito anos depois, a Rússia invadiu a Ucrânia, Greenshchikov disse que a invasão era uma “loucura”, foi banido das rádios, entrou numa lista negra.

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