A produção agrícola nacional é fundamental

Enquanto as áreas do grande agronegócio e sua produção superintensiva continuam a estender-se por todo o país, a ausência de uma estratégia nacional para a soberania alimentar continua a suscitar crises em diversos sectores, principalmente nos cereais, agravando-se mesmo a dependência do estrangeiro.

Os efeitos de décadas da aplicação da Política Agrícola Comum (PAC) na agricultura portuguesa são desastrosos e têm sido denunciados: dificuldades sérias em áreas essenciais como a produção leiteira, com dezenas de explorações a encerrar; a produção pecuária ou a produção vitivinícola também ameaçada pela liberalização progressiva dos direitos de plantio; e o rendimento dos pequenos e médios agricultores, que é cada vez mais reduzido devido ao constante aumento dos custos de produção e ao esmagamento dos preços por parte da grande distribuição. Enquanto as áreas do grande agronegócio e sua produção superintensiva continuam a estender-se por todo o país, a ausência de uma estratégia nacional para a soberania alimentar continua a suscitar crises em diversos sectores, principalmente nos cereais, agravando-se mesmo a dependência do estrangeiro.

A actual situação de seca, agravada pela escalada de preços - que, com as sanções a pretexto da guerra, conhecem agora aumentos ainda mais brutais em benefício dos que deles se aproveitam - e pela escassez de matérias-primas, evidencia bem o quanto a produção agrícola nacional tem sido desprezada por sucessivos governos. Um preço que agora vamos todos pagar caro.

Com 90% do território em seca severa ou extrema, importa providenciar apoios urgentes para atender ao aumento das despesas nas explorações agrícolas, sobretudo na pequena e média agricultura e na agricultura familiar. É imperativo mitigar o aumento dos custos de produção, começando desde logo pelo combate à escalada especulativa dos preços dos combustíveis, da electricidade, dos fertilizantes e das rações, enfrentando os monopólios e a grande distribuição, que esmagam os preços na produção nacional. Amanhã já poderá ser demasiado tarde para muitas pequenas e médias explorações agrícolas!

E, neste contexto, importa também reflectir sobre as mudanças de rumo necessárias a uma outra política agrícola, afastando-nos de políticas desincentivadoras da produção e sem ajudas a quem de facto produz.

A política agrícola nacional, submissa à PAC, tem promovido um modelo de exploração superintensiva e de monocultura em vastas áreas. Este modelo produtivo, ainda que tenha colocado o país em níveis de autossuficiência em produtos como o azeite, trouxe problemas graves, quer de exploração laboral, quer ambientais, quer ao nível do abandono de outras culturas, com impactos negativos na nossa soberania alimentar. Que sentido faz termos olival superintensivo a sorver água, de que o olival tradicional não precisa, que faz falta a outras culturas de que dependemos, literalmente, como do pão para a boca? O aumento da produção, de azeite, por exemplo, não pode ser feito a qualquer custo e a sustentabilidade no uso dos recursos é elemento fundamental do desenvolvimento integrado de que o país precisa.

Em situação de seca como a que vivemos e cujos impactos se vão sentir durante os próximos tempos (com culturas comprometidas ou mesmo irremediavelmente perdidas), questionar este modelo de produção, consumidor insaciável de água, torna-se ainda mais premente já que a (pouca) água existente deveria ser redireccionada para a produção dos alimentos necessários à nossa alimentação e que tenhamos potencialidade de produzir, como os cereais ou a batata.

Em Setembro de 2020, o PCP apresentou na Assembleia da República um Plano Nacional para a Prevenção Estrutural dos Efeitos da Seca, que foi rejeitado pelo PS, PSD, IL. Na altura, defendemos o investimento em infraestruturas indispensáveis para dotar o país de capacidade de armazenamento de água e de acessibilidade à água, para assegurar o abastecimento do consumo humano e o desenvolvimento das actividades económicas, agropecuárias e industriais. É disto que o país precisa e a realidade está a dar-nos razão! Com as alterações climáticas e com a previsibilidade de os anos de seca serem cada vez mais frequentes, o país precisa de uma gestão e administração dos recursos hídricos exercidas pelo Estado que impeça a mercantilização da água, mas também o aumento dos custos para as populações.

No Parlamento Europeu, na discussão da PAC, propusemos a criação de um Seguro Agrícola Público, financiado pelo orçamento da UE, que conferisse um nível de protecção mínimo a todos os agricultores, em caso de fenómenos meteorológicos extremos (cada vez mais frequentes) ou situações de catástrofe.

Continuaremos a defender a agricultura nacional, a soberania alimentar e o direito a produzir! É disso que o país precisa.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários