Pode Portugal prescindir do seu Ministério do Mar?

Deixar cair o Ministério do Mar constituiria um retrocesso efectivo na organização e gestão/governação do oceano a nível nacional e, não menos importante, promoveria uma irremediável descredibilização internacional de Portugal.

O novo mapa de Portugal que começou a ser distribuído nas escolas portuguesas em Abril de 2014 veio mostrar-nos que Portugal é Mar. Mais precisamente, considerando todos os fundos marinhos sob soberania ou jurisdição nacional, 97% (ou mesmo um pouco mais) da superfície do território nacional é Mar. Se integrarmos o volume da coluna de água, com cerca de 3,8 km de profundidade média na nossa zona económica exclusiva (entre as 12 e as 200 milhas náuticas), o espaço marítimo nacional em 3D - o “Mar Português”, como lhe chamou Fernando Pessoa - engloba cerca de metade do volume de água marinha da União Europeia. É muito mar! E é significativo à escala de todo o Atlântico - 4% - e mesmo do oceano global – 1%.

Reconhecendo, cada vez mais, a importância estratégica do nosso território marítimo, Portugal desenvolveu e cumpriu, nas últimas décadas, um conjunto de metas e objectivos para o Mar, todos eles maiores:

1. Desenvolveu e implementou, desde 2006, uma Estratégia Nacional para o Mar que, ao longo de várias iterações, tem constituído a linha orientadora e integradora para as nossas intervenções nesse território;

2. Afirmou a sua dimensão marítima, a nível europeu e mundial, ao submeter à Comissão sobre os Limites da Plataforma Continental, das Nações Unidas, uma proposta de delimitação exterior da plataforma continental para lá das 200 milhas marítimas que, na sua forma presente, confirmará a nossa soberania ou jurisdição sobre uma área contígua, ligando o continente e os arquipélagos dos Açores e da Madeira, de c. de 4.100.000 km2, reconfigurando Portugal, de pequena nação terrestre periférica a ultraperiférica no contexto europeu, para incontornável nação marítima em dimensão e posição geoestratégica ultra central no contexto Atlântico;

3. Foi pioneiro na implementação do Ordenamento do seu Espaço Marítimo, desenvolvendo e publicando em 2014 uma Lei de Bases do Ordenamento e Gestão do Espaço Marítimo Nacional (LBOGEM) anterior à própria Directiva Europeia que veio entretanto determinar o ordenamento do espaço marítimo (OEM) de todos os estados costeiros europeus;

4. Voltou a ter, em Novembro de 2015, com a tomada de posse do XXI Governo Constitucional, um ministério dedicado exclusivamente ao Mar;

5. Possui uma Economia do Mar que, segundo os dados da Conta Satélite para o Mar, iniciativa em que também foi pioneiro (e presentemente a ser explorada pela OCDE para uma conta internacional), teve, entre 2016 e 2018, um crescimento de 18,5% no Valor Acrescentado Bruto (VAB) e de 8,3% no emprego, praticamente o dobro dos totais da economia nacional;

6. Tem-se afirmado, de maneira crescente a nível internacional, na investigação e desenvolvimento das ciências do mar, muitas vezes em ligação directa com a economia do mar, contando com 15 institutos de investigação e desenvolvimento dedicados ao mar e sendo o país da UE com maior produção científica no domínio das ciências marinhas;

7. Tem sido pioneiro, a nível mundial, no desenvolvimento da literacia do Oceano, sendo o programa Escola Azul, do Ministério do Mar, reconhecido e apontado como exemplo de sucesso a nível global;

8. Assumiu e tem sabido manter, a nível mundial, um forte papel de liderança na governação sustentável do oceano, sendo, por exemplo, membro fundador do Painel de Alto Nível para a Economia Sustentável do Oceano (o Painel do Oceano) e anfitrião (em conjunto com o Quénia) da Conferência do Oceano das Nações Unidas, que terá lugar em Lisboa no final do próximo mês de Junho.

A visão da presente Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030 assenta “em promover um oceano saudável para potenciar o desenvolvimento azul sustentável, o bem-estar dos portugueses e afirmar Portugal como líder na governação do oceano, apoiada no conhecimento científico.” Esta visão consagra assim, de forma clara e inequívoca, uma verdadeira abordagem ecossistémica e holística aos assuntos do mar, que é crítica para Portugal poder gerir o seu oceano de forma sustentável e manter a liderança internacional face aos enormes e urgentes desafios planetários do presente. Até 2030, destacam-se as negociações de um tratado internacional relativo à protecção da biodiversidade em áreas além da jurisdição nacional e as 3 décadas das Nações Unidas 2021-2030:

- da acção para os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), em particular o ODS 14, relativo ao Oceano;

- da Ciência do Oceano para o Desenvolvimento Sustentável;

- da Recuperação dos Ecossistemas, em linha com as novas metas pós-2020 da Convenção da Biodiversidade, que estão a ser negociadas.

Sendo claro que os assuntos do mar englobam vertentes múltiplas – defesa, negócios estrangeiros, ordenamento e coesão territorial, ensino, ciência e investigação, pescas e aquicultura, energia, ambiente e clima, turismo, recursos não renováveis... –, é crítico continuar a assegurar uma visão e uma abordagem transversal e integrada, rejeitando uma eventual opção de fraccionamento dos assuntos do mar por ministérios e níveis de governação dispersos e desconexos.

A possibilidade de emagrecer o Governo deixando cair o Ministério do Mar constituiria um retrocesso efectivo na organização e gestão/governação do oceano a nível nacional e, não menos importante, promoveria uma irremediável descredibilização internacional de Portugal neste domínio, ainda mais impensável quando as expectativas do mundo estarão depositadas na capacidade de Portugal liderar os esforços globais de conservação marinha no quadro da Conferência do Oceano, em Junho.

Mais do que nunca, o XXIII Governo de Portugal precisa de valorizar e reforçar o papel de um Ministério do Mar que permita ao nosso país continuar a afirmar o Mar como desígnio nacional e, ao mesmo tempo, consolidar e reforçar o papel estratégico de Portugal como líder global nas questões da governação sustentável do oceano... o nosso futuro.

Portugal não pode prescindir do seu Ministério do Mar!

Subscritores:

- Alexandra Marçal Correia/Investigadora Doutorada FCUL, MARE ULisboa

- Ana Amorim/Professora FCUL, MARE ULisboa

- Ana Carla Garcia/Investigadora Doutorada IATV, Universidade de Coimbra

- Ana Cristina Costa/Professora FCT Universidade dos Açores, InBio/CIBIO-Açores

- Ana Hilário/Investigador Doutorado CESAM, Universidade de Aveiro

- António Domingos Abreu/Biólogo especialista em ambiente

- Armando J. Almeida/Professor Aposentado FCUL, MARE ULisboa

- Bernardo Duarte/Investigador Doutorado FCUL, MARE ULisboa

- Bernardo Quintella/Investigador Doutorado FCUL, MARE ULisboa

- Carla Gameiro/Investigadora Doutorada IPMA

- Carlos Assis/Professor FCUL, MARE ULisboa

- Carlos Pereira da Silva/Professor NOVA FCSH, CICS.NOVA

- Catarina Frazão Santos/Investigadora Doutorada FCUL, MARE ULisboa

- Clara Amorim/Professora FCUL, MARE ULisboa

- Heliana Teixeira/Investigador Doutorado DBIO & CESAM, Universidade de Aveiro

- Isabel Domingos/Professora FCUL, MARE ULisboa

- Joana Martelo/Pós-Doc MARE ULisboa

- João Carlos Marques/Professor Universidade de Coimbra

- João Janeiro/Investigador Doutorado CIMA, Universidade do Algarve

- João Paulo Medeiros/Bolseiro de Investigação MARE ULisboa

- Joaquim Dias/Professor FCUL, MARE ULisboa

- José Paula/Professor FCUL, MARE ULisboa

- Lia Vasconcelos/Professora NOVA School of Science and Technology, MARE-NOVA

- Lourenço Ribeiro/Investigador Doutorado MARE ULisboa

- Luís Narciso/Professor FCUL, MARE ULisboa

- Marcelo de Sousa Vasconcelos/Membro Associado Academia de Ciências Hassan II, ex Presidente da AECP, ex Secretário de Estado das Pescas e Presidente do IPMA

- Maria da Anunciação Ventura/Professora FCT Universidade dos Açores

- Maria Helena Florêncio/Professora FCUL, MARE ULisboa

- Maria José Costa/Professora Aposentada FCUL, MARE ULisboa

- Mário Rui Pinho/Presidente do IMAR-Instituto do Mar

- Marisa Batista/Investigadora Doutorada MARE ULisboa

- Paula Sobral/NOVA School of Science and Technology

- Pedro Félix/Investigador Doutorado MARE ULisboa

- Renato Mamede/Bolseiro Pós-Doutoramento MARE ULisboa

- Ricardo Cruz de Carvalho/Investigador Doutorado MARE ULisboa

- Ricardo Melo/Professor FCUL, MARE ULisboa

- Rui Rosa/Professor FCUL, MARE ULisboa

- Sofia Henriques/Investigador Doutorado FCUL, MARE-ULisboa

- Susana França/Investigadora Doutorada MARE ULisboa

- Tiago Verdelhos/Investigador Doutorado Universidade de Coimbra, MARE UCoimbra

- Vera Fortuna/Comunicadora de Ciência, MARE ULisboa

- Vera Sequeira/Investigadora Doutorada MARE ULisboa

- Zara Teixeira/Investigadora Doutorada, área da Sustentabilidade para o Mar

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