110 Histórias, 110 Objectos: a turbina birradial

O podcast 110 Histórias, 110 Objectos, do Instituto Superior Técnico, é um dos parceiros da Rede PÚBLICO.

No podcast 110 Histórias, 110 Objectos, um dos parceiros da Rede PÚBLICO, percorremos os 110 anos de história do Instituto Superior Técnico (IST) através dos seus objectos do passado, do presente e do futuro. Neste 38.º episódio do podcast, conhecemos a história da turbina birradial.

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A turbina birradial IST

Ilha do Pico, Açores, 1999. Na zona mais exposta à concentração das ondas – “quase um pesadelo” foi encontrado, entre rochas resultantes da erupção vulcânica do século XVII, o local ideal para a instalação da primeira central de energia de ondas do mundo. Uma construção “muito difícil” de uma estrutura de betão na água que significava um grande avanço científico na área da energia e que integrava uma equipa do Instituto Superior Técnico. É um dos momentos históricos da investigação portuguesa na área que se destacou ao longo das últimas quatro décadas. “É um esforço de investigação e desenvolvimento que não é de meia dúzia de anos, é mais que a vida activa de um docente aqui do Técnico”, descreve António Falcão, professor catedrático emérito do Departamento de Engenharia Mecânica do Instituto Superior Técnico.

Outro momento alto aconteceu em 2011, com a patente da turbina birradial, que colocou o IST no grupo da frente da investigação europeia na área do aproveitamento da energia das ondas. Pelo meio, a história da central, construída para fornecer energia eléctrica (ou parte dela) aos cerca de 15 mil habitantes da ilha, esteve activa quase 20 anos. Mas para percebermos toda a história desta linha de investigação é necessário recuar até aos tempos do PREC Período Revolucionário em Curso , entre 1974 e 1975.

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Nesse período, entra na história do IST e pelo Pavilhão Central (no campus Alameda) adentro “um senhor chamado Agnelo David, na altura com cerca de 40 anos, comerciante de profissão, de Almeirim, e inventor nas horas vagas”. Agnelo não tinha formação técnica nem científica, mas trazia uma ideia: lembrou-se que as ondas do mar, do oceano, tinham muita energia e talvez fosse possível aproveitar essa energia. Veio ao IST mostrar a sua invenção e procurar apoio, porque não tinha capacidade técnica, nem científica para desenvolver a ideia.

E apresentou uma geringonça descrita assim em pormenor por António Falcão: “Era um tanque de água, talvez de fibra de vidro, de 1m por 1m, e encheu aquilo até pouco mais de meio. Havia uma placa articulada no fundo junto a um dos lados do tanque; segurando a placa com as mãos de um lado para o outro faziam-se ondas dentro daquele tanque. Do outro lado da placa havia uma espécie de caixa, com abertura virada para baixo, e parte fora de água, de tal maneira que as ondas faziam oscilar a água dentro dessa caixa e, portanto, comprimiam ou descomprimiam o ar que ficava por cima da água. Na parte de cima havia uma abertura e ele lembrou-se de pôr ali uma turbina, talvez com uns 10 ou 15cm de diâmetro, e quando o ar soprava quer de dentro para fora, quer de fora para dentro, a turbina girava e accionava um dínamo de bicicleta. O dínamo estava ligado a um rádio de pilhas. A observação (científica) consistia em fazer ondas com a placa e ouvir o rádio a tocar.”

Agnelo faleceu em 1991, oito anos antes da turbina do Pico, mas sentiu que tinha feito parte do desenvolvimento da investigação de energia das ondas em Portugal, garante António Falcão, que também se inspirou nele para os 40 anos de trabalho que leva nesta área.

Nos anos 80, o IST tinha já uma equipa de investigadores dedicada a esta área e um convite de uma empresa de energia dos Açores para fazer a prospecção no arquipélago. Começava a odisseia de investigação do grupo que viria a patentear a turbina birradial, aqui explicada por Luís Gato, professor associado do Departamento de Engenharia Mecânica do IST: “A turbina birradial é um dispositivo de conversão da energia das ondas para uma classe de dispositivos que utilizam o ar como meio de conversão dessa energia. A ideia é converter essa energia pneumática que é gerada pelo movimento ondulatório das ondas com um corpo fixo ou flutuante. A turbina tem de ser capaz de funcionar com o escoamento alternado em dois sentidos, bidireccional, o que exige um desenho especial. Esta turbina birradial é capaz de fazer isso e com um desenho que foi concebido aqui no Técnico que propicia rendimentos muito elevados, quando comparados com soluções anteriores.”

“Nas turbinas convencionais a direcção do escoamento do fluido, do gás ou do ar é sempre no mesmo sentido. Nas centrais de energia das ondas o escoamento do ar é promovido pela subida e descida do nível da água dentro de uma caixa. E, portanto, é preciso criar uma turbina que funcione igualmente bem, quando o escoamento é da caixa para a atmosfera e da atmosfera para a caixa”, complementa António Falcão. A ideia de produção em larga escala de energia eléctrica a partir das ondas tem perdido terreno para outras formas de energia renovável, actualmente mais económicas, mas é fundamental em mercados de nicho, como a observação e exploração marinha e oceanográfica e de aquacultura.

Patenteada em 2011, e actualmente em exposição no Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG), em Lisboa, a turbina personifica o posicionamento pioneiro do IST na investigação no aproveitamento deste tipo de energia. Este reconhecimento gera ainda hoje muitos convites para “participar em projectos internacionais, tendo como foco da participação [do IST] a conversão da energia das ondas e a utilização de turbinas de ar”, como explica Luís Gato. O processo de invenção e execução causa-lhe ainda alguma incredulidade: “Hoje olhamos para a concepção e vemos uma concepção simples. Porque é que não nos lembrámos disto antes?”


O podcast 110 Histórias, 110 Objectos é um dos parceiros da Rede PÚBLICO. É um programa do Instituto Superior Técnico com realização de Marco António (366 ideias) e colaboração da equipa do IST composta por Filipa Soares, Sílvio Mendes, Débora Rodrigues, Patrícia Guerreiro, Leandro Contreras, Pedro Garvão Pereira e Joana Lobo Antunes.

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