CP deixou refugiados apeados em Badajoz e os restantes tiveram de viajar de pé até Portugal

Pelo menos 30 cidadãos ucranianos ficaram retidos em Badajoz no último domingo por falta da capacidade da automotora que faz a única ligação diária daquela cidade para o Entroncamento.

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A automotora que faz a viagem entre Badajoz e o Entroncamento tem apenas 94 lugares sentados Nuno Ferreira Santos

Atravessaram toda a Europa desde a Ucrânia e quiseram vir para o país mais ocidental do continente. Chegaram a Badajoz, vindos de comboio desde Madrid (enquadrados pela Cruz Vermelha), mas para prosseguirem para Portugal tiveram de viajar três horas de pé, apertados numa automotora formada por um único veículo. Isso aconteceu apenas a alguns, os que conseguiram embarcar. Os outros ficaram em terra por não caberem na composição.

No último domingo, 27 ucranianos ficaram apeados e grande parte dos 52 que chegaram ao Entroncamento viajou de pé. “Parecia um comboio suburbano à hora de ponta”, disse ao PÚBLICO um revisor da CP, que pediu o anonimato. “Ainda por cima vinham, como é natural, com malas, sacos, carrinhos de bebé. Nem se podiam mexer.”

O Canal Extremadura dá conta que todos os dias chegam a Badajoz dois comboios com centenas de refugiados, muitos dos quais pretendem vir para Portugal onde têm familiares e amigos. Mas a ausência de relações ferroviárias internacionais entre Portugal e Espanha tem sido um obstáculo para seguirem viagem. Na reportagem da televisão espanhola vê-se a diferença da dimensão do comboio que traz os refugiados até Badajoz, por contraste com a pequena automotora da CP que os leva para Portugal.

Foi há dois anos, em 17 de Março de 2020, que foram suspensos os comboios Sud Expresso (Lisboa-Hendaya) e Lusitânia Expresso (Lisboa-Madrid), que acabaram por não ser retomados devido ao desinteresse da Renfe nas ligações ferroviárias convencionais (a empresa espanhola está mais apostada nas linhas de alta velocidade). Desde então, só dois comboios diários circulam entre o Porto e Vigo e uma discreta automotora liga o Entroncamento a Badajoz.

Esta automotora só tem capacidade para 94 lugares sentados. Mas apesar de conhecer este súbito afluxo de passageiros, a CP só nos dias 9, 10 e 16 de Março é que reforçou a oferta, pondo a circular duas automotoras acopladas. A empresa não explica por que razão não o fez também nos outros dias.

Fonte oficial da transportadora pública diz que “no âmbito da política de acolhimento aos refugiados da Ucrânia, a CP está alinhada com as medidas governamentais, posicionando-se como um transportador-facilitador da mobilidade destes refugiados”. Nesse sentido, “em articulação com a Renfe, a empresa recebe informação com a maior antecipação possível, da previsão de chegada de grupos de refugiados e indicação de número de pessoas que integram esses grupos, para proceder a ajustamentos e adequar a respectiva oferta.”

Tal, porém, não tem acontecido, sobretudo aos fins-de-semana, altura em que se juntam os passageiros habituais (nomeadamente estudantes de Portalegre e de Badajoz) com os refugiados, enchendo a automotora. A CP diz que “por vezes, a informação de procura obtida no dia anterior à circulação do comboio poderá ter algumas variações face àquela que se concretiza no próprio dia”. A mesma fonte diz ainda que nos dias 5 e 13 de Março “a CP transportou gratuitamente 454 refugiados da Ucrânia para vários pontos da rede ferroviária nacional, sendo a principal origem/destino Badajoz – Santa Apolónia com 314 pessoas”.

A capacidade da Allan, a automotora que faz este serviço, é de 94 lugares sentados, todos muito apertados e com assentos pouco confortáveis, porque foi concebida para fazer viagens curtas no ramal da Lousã, onde esta série de material circulou até ao fecho da linha. Pelo mesmo motivo, o espaço para bagagens é também bastante exíguo, pelo que não é o material mais adequado para transportar grupos de refugiados com malas e sacos. Mas é o único que a CP tem para chegar a Badajoz.

Hoje, um colectivo que reúne mais de 20 organizações portuguesas divulgou um comunicado a exigir a reposição do Sud Expresso e do Lusitânia Expresso. “Cada dia que passa sem estes serviços é mais um dia sem liberdade de escolha, mais um dia de cedência aos lóbis da aviação, da rodovia e das petrolíferas e mais um dia sem cuidarmos do planeta em plena emergência climática”, diz o documento, inserido na campanha ATERRA que defende a ferrovia, e em particular os comboios nocturnos, como o meio de transporte mais sustentável.

“Não há desculpa para terminar a ligação ferroviária entre Portugal e a Europa é apenas cegueira burocrática”, dizem, convidando a que se assine a petição para a reposição dos comboios internacionais.

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