João Maria Trindade e a Estação Biológica do Garducho. “Isto dava uma bela casa”

O podcast No País dos Arquitectos é um dos parceiros da Rede PÚBLICO.

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André Carvalho / José Manuel Silva
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Arquitetura
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O podcast No País dos Arquitectos está de regresso com uma terceira temporada. No 31.º episódio, Sara Nunes, da produtora de filmes de arquitectura Building Pictures, conversa com o arquitecto João Maria Ventura Trindade, do atelier Ventura Trindade, sobre a Estação Biológica do Garducho, localizada na cota mais elevada do concelho alentejano de Mourão, junto à fronteira com Espanha.

A história deste projecto remonta ao ano de 1997. Nessa época, o antigo posto de controlo fronteiriço foi adquirido pelo Centro de Estudos da Avifauna Ibérica (CEAI) com o objectivo de o transformar numa estrutura de promoção de acções de sensibilização ambiental: “O projecto, que o CEAI candidatou a financiamentos comunitários, tinha a ver com o estudo da águia-de-bonelli, que estava em extinção. Portanto, era necessário haver este posto avançado para o estudo dessa ave e houve imensas discussões com os associados do CEAI sobre os materiais a utilizar no edifício”, conta.

Numa área protegida, classificada como Rede Natura 2000 e em plena Zona de Protecção Especial (ZPE) para Aves de Moura, Mourão e Barrancos, esta casa virada para a natureza quase levita sobre a paisagem, deixando-a fluir como se fosse um pássaro que quer flutuar no horizonte alentejano: “O edifício define um recinto, como é muito próprio da arquitectura tradicional, na bacia do Mediterrâneo. Existe esta ideia do pátio, uma coisa voltada em torno de um pátio, mas, por outro lado, como a estrutura está sobrelevada, esse pátio não é um pátio de clausura completo. (...) Ou seja, não tem limites”.

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Durante a entrevista, o arquitecto João Maria Trindade recorda ainda uma fotografia da arquitecta Chiara Ternullo, onde se encontram dois cavalos, que se situam, precisamente, nesse pátio central. Fotografados numa situação espontânea, a imagem sugere que os animais aproximaram-se do edifício como se este fosse um elemento intrínseco da paisagem.

Já as árvores surgem na planície alentejana como fragmentos esporádicos, por isso os momentos de sombra tornam-se imprescindíveis para quem atravessa o edifício. Nesse contexto, o arquitecto lembra a importância ecológica que o CEAI assumiu nesta zona de protecção especial para as aves, que é local de abrigo e de reprodução de espécies emblemáticas e ameaçadas de extinção: “Naquele sítio, todas as questões relacionadas com a sustentabilidade, mais do que um desejo, eram uma condição essencial”, lembra.

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A nível construtivo houve um rigoroso cuidado na escolha de materiais, quer para suprir as exigências climáticas da região, com temperaturas muito elevadas no Verão, quer para criar uma construção que aproveitasse os recursos naturais existentes. Durante o projecto, o CEAI insistiu nas soluções amigas do ambiente e, quando o atelier propôs o uso de betão, a associação ambientalista ofereceu imensa resistência por considerar esse material poluente. Durante a entrevista, João Maria Trindade revela que a opção do betão armado era não só necessária – por cumprir com “os vários constrangimentos legais do sítio” –, como também poderia, a longo prazo, tornar-se eco-friendly: “O betão poderia, pela sua longevidade, eventualmente, ser também um material sustentável”, refere.

Como um “objecto absolutamente autónomo”, a Estação Biológica do Garducho eleva-se acima do terreno e mantém-se em suspenso, organizando um conjunto de pátios e de percursos de modo a minimizar a ocupação do solo. O fornecimento de energia eléctrica é garantido por “um sistema de colectores solares” e as águas pluviais são recolhidas para uma cisterna, para posterior aproveitamento.

O isolamento térmico é garantido com painéis de “aglomerado negro de cortiça”, enquanto as sulipas de madeira das antigas linhas férreas foram aproveitadas para serem reutilizadas no pavimento exterior: “O edifício foi sempre uma grande surpresa para as pessoas que o visitaram porque, por fora, é um edifício muito austero (...), mas quando se entra descobre-se um edifício completamente diferente”.

Para corroborar a proximidade entre arte e arquitectura, esta intervenção contou também com a colaboração da artista plástica Fernanda Fragateiro, que inseriu neste espaço citações do escritor Gonçalo M. Tavares, da obra Breves Notas Sobre a Ciência. Vários fragmentos de textos de outros autores, em português e em inglês, foram também inscritos em pontos estratégicos do volume arquitectónico, abrindo um espaço semântico que convida o visitante a reflectir sobre a natureza, a paisagem e a ciência.

Num dos momentos finais da entrevista, o arquitecto João Maria Trindade lembra que, certo dia, a artista Fernanda Fragateiro enviou-lhe uma fotografia com a vista para o nascer do sol na Estação Biológica do Garducho. Junto da fotografia, seguiam as palavras: “Isto dava uma bela casa”. Hoje, podemos pensar que esse pensamento foi uma premonição porque o CEAI cessou a sua actividade e o edifício está, efectivamente, a ser reconvertido numa habitação: “Uma coisa que me agrada imenso na arquitectura e que agora estamos a experimentar é esta capacidade de ela resistir aos próprios usos e aos próprios programas. O edifício foi concebido para uma coisa e agora vai passar a funcionar para outra, com adaptações mínimas e isso também é muito interessante perceber – a capacidade de os edifícios desenhados de uma certa maneira serem muito facilmente adaptáveis e utilizáveis de uma outra forma”.


No País dos Arquitectos é um dos podcasts da Rede PÚBLICO. Produzido pela Building Pictures, criada com a missão de aproximar as pessoas da arquitectura, é um território onde as conversas de arquitectura são uma oportunidade para conhecer os arquitectos, os projectos e as histórias por detrás da arquitectura portuguesa de referência.

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