Debaixo de fogo: em tempo de guerra os animais não ficam para trás

O abandono é um acto cruel e desumano, para além de ser crime punido pelo nosso Código Penal. Por isso, há uma pergunta que se impõe: qual vai ser mesmo a próxima desculpa para abandonar um animal? É que, mesmo debaixo de fogo, na Ucrânia, os animais, e bem, não estão a ser deixados para trás.

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EPA/CLEMENS BILAN

A imagem de uma jovem mulher ucraniana a carregar o seu cão enorme e doente em ombros, percorrendo 17 quilómetros para atravessar a fronteira com a Polónia, depressa irrompeu pelas redes sociais e comoveu quem tem acompanhado o drama humanitário causado pela guerra na Ucrânia provocada pela invasão russa.

Mesmo debaixo de fogo, o povo ucraniano tem dado um exemplo ao mundo de compaixão pelos animais e não tem deixado, na sua generalidade, os animais para trás. Sejam os animais de companhia, sejam os animais que se encontram a cargo de associações, santuários ou zoológicos.

Alguns destes casos tiveram já um desfecho trágico, como o das voluntárias Aleksandra Polischuk ou Anastasiia Yalanskaya e dois outros voluntários, que perderam a vida ao tentar garantir os cuidados aos animais que tinham a seu cargo nos respectivos abrigos. Ainda assim, os voluntários recusam sair do país. Andrea Cisternino é um desses casos e diz mesmo: “Vou morrer aqui pelos meus animais. Tenho de pensar em salvar este refúgio. São 400 hóspedes que merecem ser protegidos a qualquer custo”.

Mas, no que respeita às espécies selvagens, são milhares os animais que ficaram encurralados nas instalações. No zoológico de Kiev, os tratadores mudaram-se para as instalações, para garantirem os cuidados aos mais de quatro mil animais, face à impossibilidade de os evacuar. Animais como o elefante Horace, que não pôde ser colocado no porão, ou o gorila Tony, o único da Ucrânia, estão aterrorizados perante o ruído dos ataques e bombardeamentos, apesar dos esforços dos tratadores para os tranquilizar.

Tal como para as pessoas, a comida e o acesso à água começam a escassear e são muitas as organizações não-governamentais (ONG’s), incluindo em Portugal, que estão a mobilizar-se para ajudar e fazer chegar ração aos animais da Ucrânia, assim como, para tentar tirá-los do país.

Contudo, apesar do número de animais que tem acompanhado os seus tutores, ainda assim outros tantos milhares de animais têm ficado para trás, abandonados nas estações de comboio ou de autocarro, mesmo perante o esforço das associações para que os países que estão a acolher refugiados permitam que os animais possam também viajar. As próprias tropas ucranianas estão a cuidar de animais que ficaram para trás e que se aproximam em busca de alimento.

A intervenção das ONG e dos demais países tem sido fundamental para que os animais possam ser resgatados e colocados em segurança, como é o caso dos leões que se encontravam num zoo e que foram já evacuados para o Santuário da AAP Primadomus. Mas é preciso ir mais longe. É moralmente imperativo que os países facilitem as regras de entrada dos animais nas suas fronteiras, nomeadamente os não documentados, sem vacinação ou identificação e sem acompanhante.

Em Portugal, a DGAV está a permitir a entrada de animais que acompanhem os seus detentores. No entanto, ainda não clarificou se vai permitir a entrada dos animais mesmo que não documentados e/ou vacinados ou de animais sem detentor, ou seja, animais resgatados pelas ONG. É fundamental desburocratizar a passagem destes animais na fronteira, em face do drama humanitário que se vive na Ucrânia e que milhares de pessoas já perderam a sua vida nesta guerra absurda, incluindo de quem não quis deixar os animais para trás.

Esta realidade contrasta com a cobardia de quem, demasiadas vezes, opta por abandonar animais seja porque ladram, porque largam pelo, porque roem ou simplesmente pela total falta de empatia e de respeito para com um ser vivo que decidiram colocar sob a sua responsabilidade. O abandono é um acto cruel e desumano, para além de ser crime punido pelo nosso Código Penal. Por isso, há uma pergunta que se impõe: qual vai ser mesmo a próxima desculpa para abandonar um animal? É que, mesmo debaixo de fogo, na Ucrânia, os animais, e bem, não estão a ser deixados para trás.

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