Marcelo avisa: mesmo que a paz chegue depressa, a guerra “terá custos na vida de todos nós”

No final do Conselho de Estado, que aprovou de forma unânime uma condenação pela invasão da Ucrânia, o Presidente da República fez uma declaração inédita em que afirma que “vale a pena fazer tudo, mas mesmo tudo, para que a paz chegue e depressa”.

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O Conselho de Estado aprovou por unanimidade um voto de condenação à guerra na Ucrânia LUSA/RODRIGO ANTUNES

O Presidente da República não poupou nas palavras de condenação à invasão da Ucrânia pela Rússia que considerou “chocante no tempo, na legitimidade e no alcance”, em “violação de princípios básicos como o respeito pelo direito internacional, a independência, a soberania e a integridade territorial dos Estados”, e causadora de “instabilidade, imprevisibilidade e incerteza”.

Falando, de forma inédita, no final da reunião do Conselho de Estado que aprovou de forma unânime uma condenação pela guerra, Marcelo Rebelo de Sousa lamentou “a tragédia humana”, os dois milhões e meio de refugiados em menos de três semanas, e também “os riscos de uma nova e mais complexa guerra fria, a destruir décadas de diálogo sobre a paz, o combate às desigualdades, à miséria, à fome, ao clima e, ainda há pouco, a saúde global”.

“Não há como negar que é dramaticamente urgente encurtar a guerra, mas com serenidade, e não com expedientes negociais concebidos apenas para ganhar tempo ou paralisar a resistência e unidade contra a agressão”, afirmou, numa crítica clara à posição russa.

Marcelo traduzia assim o sentimento dos seus conselheiros de Estado que, em uníssono – até porque o único que poderia ser discordante, o comunista Domingos Abrantes, não esteve presente – tinham condenado a invasão e elogiado a forma como a União Europeia tem sido unida e determinada na resposta, depois de algumas hesitações iniciais.

Mas não é só a guerra que está em causa, avisou: “O que já se passou teve, tem e terá custos na vida de todos nós”, custos que “cairão, de uma forma ou de outra, nas nossas vidas”, avisou. “Não nos iludimos quanto aos tempos muito difíceis que aí estão ou aí vêm”, acrescentou, deixando perceber que o pior ainda está para vir.

“Há que enfrentá-los, com a mesma coragem e determinação dos últimos dois anos, em espírito de unidade, coesão, solidariedade e eficácia”, preconizou. Comparando a situação actual à pandemia, sustentou que “é preciso garantir bens essenciais, assegurar o funcionamento da economia, apoiar as empresas, a começar pelas dos sectores cruciais, cuidar das pessoas, em especial as mais carenciadas, e exigir dos responsáveis políticos firmeza nos valores e princípios, clareza nas decisões mas serenidade na postura”.

“Temos de fazer tudo isto - os responsáveis políticos, a começar no Presidente da República, e todos os portugueses - tal como durante a pandemia. Porque acreditamos que vale a pena fazer tudo, mas mesmo tudo, para que a paz chegue e depressa, em liberdade, de democracia, em justiça social”, sustentou o Chefe de Estado.

Na reunião, o primeiro-ministro teve oportunidade de anunciar aos conselheiros do Presidente o novo pacote de apoios para as empresas de transportes que o ministro da Economia apresentava publicamente. António Costa adiantou também que vai rever o quadro macro-económico do Orçamento do Estado, reduzindo de 5,8 para 5% a previsão do crescimento da economia, e disse esperar que a UE autorize a redução do IVA nos combustíveis e um apoio a fundo perdido às empresas, apurou o PÚBLICO. Quanto ao evoluir do conflito, disse apenas que, entre os líderes europeus, reina a convicção de que o Presidente russo não fará nada contra nenhum país da NATO.

Na sua declaração ao país, Marcelo Rebelo de Sousa fez questão de elogiar a forma como Portugal tem agido no contexto deste conflito: “Condenamos o que quase todos viriam a condenar”; “unimos o que deve ser unido para que a condenação se revele consequente, unimos na União Europeia, na NATO, nas Nações Unidas; nos planos económico, financeiro e político-militar”; “acolhemos quem deve ser acolhido, refugiados vindos da Ucrânia, sem discriminações ou privilégios.

Esta foi a primeira vez que o Presidente da República fez uma declaração ao país no final de uma reunião do Conselho do Estado, substituindo o curto comunicado habitual. Esta foi a última reunião deste órgão para alguns dos actuais conselheiros, o presidente da Assembleia​ da República e aqueles que são eleitos no Parlamento para o período da legislatura. Destes cinco, três não estiveram presentes: Rui Rio e Domingos Abrantes por motivos de Saúde, e ainda Carlos César. Os outros dois são Francisco Pinto Balsemão e Francisco Louçã.

Contactos bilaterais

Antes da reunião, que tinha como ponto único a guerra na Ucrânia, Marcelo tinha falado ao telefone com o Presidente da Roménia, país que terá, nas próximas semanas, uma presença militar portuguesa de 174 elementos ao abrigo da Tailored Forward Presence da Aliança Atlântica.

De acordo com uma nota divulgada pela Presidência, Marcelo Rebelo de Sousa abordou com Klaus Iohannis “a situação da guerra na Ucrânia, na sequência da invasão russa, exprimindo a solidariedade portuguesa, quer no apoio aos refugiados, quer no reforço das capacidades de defesa, no quadro da Nato”.

Nestas duas últimas semanas, este país a sudoeste da Ucrânia já recebeu cerca de meio milhão de refugiados, sendo um dos grandes países de destino do êxodo provocado pela guerra, tal como a Polónia, que já terá acolhido mais de um milhão de pessoas.

Tal como já tinha dito ao seu congénere polaco na semana passada, o Presidente português “sublinhou que a solidariedade e unidade dos Estados membros da UE neste momento difícil é essencial para manter a Rússia à mesa das negociações, tendo em vista assegurar um rápido cessar-fogo e contribuir para reconstruir a paz, no espírito comum europeu, demonstrando o papel e a razão de ser da União Europeia”, lê-se na nota.

Marcelo Rebelo de Sousa tem mantido alguns contactos bilaterais sobre a guerra da Ucrânia desde a invasão russa, a 24 de Fevereiro. Logo a 27 desse mês, o Chefe de Estado português recebeu um telefonema do Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, tendo na ocasião reiterado “a condenação veemente de Portugal e o apoio solidário à corajosa resistência ucraniana”.

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