Por todo o mundo há protestos contra a invasão russa da Ucrânia. Vão funcionar?

A investigação sugere que é importante não subestimar a resistência não-violenta e que esta pode retardar ou minimizar o que se passa no terreno, pode contribuir para mudanças no cenário político e impedir futuras agressões.

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Manifestação frente à embaixada russa em Lisboa Paulo Pimenta/Arquivo

À medida que a guerra na Ucrânia entra na terceira semana, por todo o mundo, continuam a ocorrer protestos contra a invasão russa. Pode o poder popular influenciar o curso desta guerra? Aqueles que estão no terreno, a usar a resistência armada enfrentando uma força militar esmagadora podem ter mais possibilidades de travar esta guerra que os que se manifestam nas ruas? Provavelmente. No entanto, a investigação sugere que é importante não subestimar a resistência não-violenta e que esta pode retardar ou minimizar o que se passa no terreno, pode contribuir para mudanças no cenário político e impedir futuras agressões.

Vejamos os três cenários nos quais a resistência civil está a ocorrer:

Como estão os ucranianos a resistir?

Na Ucrânia, juntamente com a defesa armada, os civis também se envolveram em várias formas de resistência à invasão. Isso inclui marchas e manifestações em grande escala nas cidades sob ataque, bloqueios de estradas para impedir que os tanques e outros veículos blindados cheguem às cidades ou a infraestruturas fundamentais, a remoção de sinais de trânsito, a confrontos verbais directos com soldados russos, a apreensão de veículos militares russos e muito mais.

A forte resistência reflecte atitudes de longa data na Ucrânia. Investigações anteriores revelam que a grande maioria dos ucranianos estava disposta a usar tácticas como estas no caso de uma invasão russa.

Esta resistência tem importância? Sim. Os esforços dos cidadãos, como os bloqueios de estradas e actos de sabotagem, podem ajudar a retardar o avanço do exército invasor. Estes atrasos podem ser importantes porque podem confundir e desorientar as forças invasoras, criar barreiras logísticas e derrubar a sua moral. Estes atrasos podem também dar aos civis um tempo precioso para fugir, coordenar a ajuda humanitária ou se juntar aos seus familiares, potencialmente salvando vidas.

A resistência civil também pode conter a violência em áreas locais, provocando deserções ou deserções entre soldados de infantaria que não estão dispostos a cumprir ordens brutais. Às vezes, grupos civis “incentivam” grupos armados a respeitar as normas humanitárias internacionais, como a responsabilidade de proteger civis, no terreno.

Actos quotidianos de resistência também podem formar a base para actividades coordenadas que facilitam a mobilização em massa a longo prazo. Por exemplo, durante a invasão soviética da Checoslováquia em 1968, os “Dez Mandamentos” publicados pelo jornal Vecerni Praha instruíram os checos e eslovacos sobre maneiras de minar o domínio soviético. A não cooperação dos cidadãos com o domínio soviético e a construção de organizações clandestinas foram fundamentais para o crescimento de uma cultura de oposição, identidade democrática compartilhada e capacidade de mobilização em massa durante a Revolução de Veludo, duas décadas depois. Em Odessa, as apresentações improvisadas ao ar livre que os músicos fazem, durante a actual invasão, evocam esse espírito desafiador e de oposição.

Além disso, a resistência não-violenta pode obter simpatia e apoio do exterior – inclusive dentro do próprio país invasor.

Como estão os russos a resistir?

Por causa da natureza do regime na Rússia, Putin efectivamente vinculou a sua sobrevivência política ao destino da guerra na Ucrânia. Isso torna qualquer mobilização antiguerra excepcionalmente alta e ajuda a explicar as repressões do regime contra os protestos, nas ruas, e à informação feita por meios de comunicação social independentes.

As políticas e a sobrevivência de cada governo dependem do apoio de pilares fundamentais — a comunidade empresarial, elites económicas, elites políticas, media estatal, forças de segurança, autoridades culturais e religiosas, celebridades, atletas, funcionários públicos e afins. É impossível prever onde e quando essas lealdades começam a mudar. Muitas vezes, as pessoas que vivem sob ditaduras escondem as suas verdadeiras visões do governo até verem que têm segurança suficiente para resistir publicamente.

A investigação sugere que o protesto em massa é o que faz as elites políticas começarem a se recalibrar — os protestos foram, muitas vezes, necessários (embora não suficientes) para enfraquecer o poder dos autocratas. Como as pessoas tendem a procurar outros sinais de que o apoio ao governo está a ficar enfraquecido, nem sempre acontecem protestos em larga escala, mesmo quando um autocrata e suas políticas são amplamente impopulares.

Contudo, os russos que se opõem à invasão da Ucrânia já protestaram nas principais cidades do seu país, e muitos foram presos. Num estudo recente, cerca de 30% dos russos afirma que se opõe à guerra (13% não responderam à pergunta), um número considerável num país cuja oposição foi sufocada nos últimos anos.

Dito isso, a maioria dos russos ainda parece apoiar tanto a invasão quanto a manutenção de Putin no poder – os apoiadores de Putin começaram a usar o símbolo “Z”, por exemplo. Mas se a oposição dentro da Rússia continuar a manifestar-se, é expectável que surjam protestos a favor de Putin e defendendo a “legitimidade” desta guerra. Já aconteceu no passado, contudo, até agora o governo russo ainda não sentiu a necessidade de mobilizar manifestações pró-guerra no seu território.

A solidariedade global produz mais do que apoio simbólico?

Embora possa parecer que os protestos globais contra a invasão russa sejam apenas gestos simbólicos, a emergente união mundial para acabar com essa guerra é importante.

Em primeiro lugar, esta acção transnacional pode produzir impactos importantes, mantendo a questão no topo da agenda global e moldando uma narrativa moral clara. As redes globais lideradas por cidadãos pressionam instituições internacionais, corporações multinacionais e governos a agir.

Em segundo lugar, protestos contra a guerra em lugares improváveis, incluindo a China, podem levar a um maior isolamento e desmoralização da elite pró-guerra da Rússia. Em terceiro, a indignação global e a resistência à agressão militar demonstram que muitas pessoas, em todo o mundo, aceitam os valores globais e não a ideia de conquista e invasão. Os protestos em massa sinalizam que as pessoas estão dispostas a aceitar alguns custos para manter essa norma, e podem exigir que os seus governos a respeitem também.

Alguns especialistas argumentam que a mobilização civil em massa e a não-cooperação podem realmente impedir a invasão estrangeira. A Lituânia incorporou essa estratégia de “defesa de base civil” na sua Estratégia de Segurança Nacional em 2014. Não está claro se tais capacidades se encaixam no cálculo de possíveis agressores, mas os protestos em massa no Báltico representam mais do que apenas solidariedade com os ucranianos, também sinalizam uma capacidade e disposição para uma defesa civil em grande escala se a Rússia tentar invadir esses países.

Não subestime a resistência não violenta

Uma razão pela qual Putin decidiu invadir a Ucrânia foi precisamente porque a resistência não-violenta, no passado, provou ser eficaz em frustrar os seus esforços para transformar a Ucrânia e outras repúblicas pós-soviéticas em governos fantoches. Afinal, movimentos de poder popular derrubaram governos pró-Rússia na Ucrânia em 2004 e 2014, após o que a Rússia anexou a Crimeia e intensificou os seus meios militares contra aquele país. Putin não subestima o potencial da resistência desarmada em massa para interferir nos seus planos. Os observadores também não devem fazê-lo.


Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post
Erica Chenoweth (@EricaChenoweth) é professora na Universidade de Harvard e directora do Nonviolent Action Lab na Harvard Kennedy School's Carr Center for Human Rights Policy
Tradução e adaptação: Bárbara Wong

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