Dia 4 da “caravana humanitária”: uma “escola alternativa” e um pavilhão na Alemanha abrem-se a quem chega

A escola em Leipzig teve 24 horas para preparar, pela primeira vez, a chegada de pessoas que fugiram da guerra na Ucrânia. “Foi muito poderoso”, diz um dos professores.

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#TBL Tiago Lopes - Caravana Humanitaria - Leipzig, Alemanha - Leipzig Arena Tiago Lopes

Vanessa, uma cadela minúscula que rosna corajosamente a todos os que não são os seus donos, não está muito contente com a curta companhia de Iasha na carrinha onde passou o dia.

Os animais de companhia não são permitidos na Arena, em Leipzig, um dos dois alojamentos que voluntários portugueses conseguiram articular com a câmara da cidade alemã para albergar na noite desta sexta-feira a “caravana humanitária” de cerca de 300 pessoas que está de regresso a Portugal. Trazem com eles cerca de duas dezenas de cães e gatos. Uma mulher viaja com seis gatos, cada um na sua caixa transportadora.

Stivlana Dovhan, de 41 anos, explica, em inglês, que não quer deixar Vanessa, mesmo que seja só durante a noite. Trouxe a cadela de Zhitomir, numa bolsa que tem sempre à cintura, para ter as mãos livres para os filhos e para ligar ao marido, que ficou na Ucrânia.

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Já estavam num abrigo em Varsóvia, à espera de irem para junto do irmão, no Norte de Portugal, quando o presidente da câmara da cidade a 150 quilómetros de Kiev disse que edifícios civis — uma central eléctrica e dois hospitais — foram atingidos por ataques aéreos russos, a 10 de Março. Não houve vítimas, disse Serhii Sukhomlin.

Em Leipzig, na Alemanha, o pavilhão desportivo já estaria a ser pensado para receber refugiados, explica Joana Serrano, mas o processo teve de ser acelerado.

Em isolamento em Lisboa e doente com covid-19, Joana, de 31 anos, fez “spam a todos os contactos” que conseguiu encontrar no motor de pesquisa online. Palavras-chave: “nome da cidade + help refugees” (ajuda para refugiados, em português). Sobre Leipzig encontrou “um PDF que tinha contactos desde a Caritas até ao mayor”. E responderam-lhe. “A pessoa certa do departamento de acções sociais recebeu o email e começou a fazer uma cadeia de emails a perguntar como podiam ajudar”, explica.

Depois de atravessar muitos chats, o pedido do conselho de refugiados de Turíngia chegou a Stephan Grötschel, de 41 anos, com uma pergunta: “Quem conhecem nas escolas?”.

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O programador entrou em contacto com o professor Thomas Janke, que “demorou 15 minutos” a falar com a directora da Escola Karl Schubert — uma “escola alternativa”, como lhe chama Joana Serrano. Respondeu que poderiam receber cerca de 50 pessoas. “É uma forma antiga e caótica de nos organizarmos. Não será a mais eficiente, mas funciona e as pessoas juntam-se por uma causa. É absolutamente incrível”, diz Stephan Grötschel.

Quando Putin invadiu a Ucrânia, o programador estava em isolamento. A sensação de impotência perante o maior conflito na Europa desde a II Guerra Mundial estava a deixá-lo mais em baixo do que a infecção. A solidariedade que uniu a Europa nas últimas semanas “poder ser um catalisador para outras causas”, acredita. “Podes mostrar aos governos: olhem, está a funcionar. Vamos, mexam-se.”

Nunca tinha entrado na escola, a cinco minutos de bicicleta de casa. Chegou para ajudar às 15h, horas antes da chegada prevista da “comunidade humanitária”. Estava tudo pronto. “Gostava de ter tido uma escola como esta em miúdo...”, diz, agora.

Havia uma montanha de sacos-cama e colchões. Contactaram as pessoas da comunidade escolar que falavam russo ou ucraniano. Os estudantes, pais, professores e auxiliares compraram e angariaram brinquedos, medicamentos, produtos de higiene, toalhas de banho. A cantina já estava a preparar o caril de lentilhas e tofu e o pequeno-almoço para a manhã seguinte. Todas as indicações estavam escritas em ucraniano. Numa das portas, estava um cartaz onde desenharam em português a palavra “bem-vindo”.

“Foi muito poderoso”, resume Thomas Janke, professor de História, Política e Arte na escola de currículo livre, onde grande parte da aprendizagem acontece fora da sala de aulas. A esposa é bielorrussa. “O meu coração está a bater pelo Leste”, diz.

As crianças, que dormiram a viagem toda, estão a descobrir os recantos da escola toda.

Três voluntárias portuguesas, enfermeiras, avaliam as gargantas inflamadas dos adolescentes, que se chateiam por as mães terem mencionado o desconforto. “Apanharam muito frio”, justificam-se.

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A poucos quilómetros, a recepção na Arena está mais demorada. A obrigatoriedade de fazer testes de covid-19 e a entrada vedada aos animais de companhia levou a um reajuste dos planos, com a escola a albergar mais pessoas do que as inicialmente esperadas.

Birgit Thiemann não parece muito preocupada. É a directora da escola com 300 estudantes, mas prefere ser chamada mädchen für alles. Uma pessoa que faz tudo.

Em todas as turmas são incluídos estudantes com divergências neurológicas ou com deficiências físicas. As propinas “altas” são um desafio para uma maior integração socioeconómica na escola, reconhece. Dois professores e dois assistentes preparam o currículo adaptado e acompanham cada turma, explica Thiemann.

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Thomas Janke, professor, e Birgit Thiemann, directora, da escola, com Stephan Grötschel Tiago Lopes

“Uns talvez venham a ser professores ou cientista. Outros nem vão aprender a ler. Temos de aprender a ajudar cada criança a encontrar o seu caminho no mundo”, conclui.

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