Diogo Aguiar sobre a Quinta da Aveleda. “Tal como um bom vinho, um bom edifício tem de saber envelhecer”

O podcast No País dos Arquitectos é um dos parceiros da Rede PÚBLICO.

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Fernando Guerra
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O podcast No País dos Arquitectos está de regresso com uma terceira temporada. No 30.º episódio, Sara Nunes, da produtora de filmes de arquitectura Building Pictures, conversa com o arquitecto Diogo Aguiar sobre a Quinta da Aveleda e a relação entre a arquitectura e o mundo dos vinhos.

Assim que se abre o portão da quinta da família Guedes, viaja-se para outro espaço e para outro tempo. É um tempo que pede pausa, mas também autenticidade e pragmatismo, não fosse esta afinal uma das principais produtoras de vinho verde no país.

A Quinta da Aveleda goza de um património edificado invulgar onde, para além da área de produção vinícola, destacam-se os seus “belíssimos jardins do século XIX”, que ostentam uma paisagem repleta de romantismo. A busca por um espaço de enoturismo levou à reabilitação/reconversão do Edifício da Eira, um antigo edifício agrícola. E não é por acaso que, logo no início da nossa conversa, o arquitecto Diogo Aguiar sublinha a simbiose entre o vinho e a arquitectura, afirmando que, “tal como um bom vinho, um bom edifício tem de saber envelhecer”.

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Na tentativa de criar uma estrutura que resistisse ao teste do tempo, Diogo Aguiar procurou nesta intervenção conjugar dois pontos: ler e respeitar o passado, sem o procurar mimetizar; e intervir no edifício, situando-o no século XXI. Através da “narrativa arquitectónica” do Diogo Aguiar Studio, o edifício passou a ser um espaço inteiramente dedicado ao enoturismo, servindo também de edifício-museu, que conta a história da família e dos seus vinhos: “Estamos a falar de um produto natural e, portanto, referimo-nos a algo que pretende passar determinados valores. Entre esses valores, um daqueles que é mais importante transmitir é a autenticidade”.

Esta reconversão acaba por reflectir esse mesmo sentimento da marca Quinta da Aveleda e o edifício organiza-se numa sucessão de espaços em contínuo, feita em três actos: “Esses espaços – loja, vinoteca e sala de prova de vinhos – acabam por ocupar de forma fluida um mesmo interior, que é compartimentado não por divisórias, mas por sensações ou atmosferas que procurámos criar”, descreve o arquitecto.

Numa das alas laterais, encontra-se a sala de degustação, complementada pela copa; no volume central, está a vinoteca e a mezanino; na restante ala lateral, a loja. A vinoteca é o espaço de transição e, por ser cromaticamente distinto, pede ao transeunte que atrase o seu passo com vagar e contemplação. Já no piso inferior do Edifício da Eira está a Adega Velha, que o arquitecto decidiu manter intacta: “Eu diria que a Adega Velha é um pequeno tesouro na Quinta da Aveleda. (...) Trata-se de um espaço altamente imersivo, onde também o olfacto é despertado”, lembra. Esta Adega deu nome à Aguardente Velha e repousa em cascos de carvalho.

Ao nível estrutural, importa referir que, por impossibilidades técnicas, não foi possível manter as asnas originais do edifício: as asnas em tesoura, que já não se encontravam no ideal estado de conservação; e as asnas das alas laterais, que tinham sido adulteradas para tijolo armado. Nesse sentido, recuperou-se o desenho das asnas de madeira, “em tesoura levantada”, e adaptou-se esse mesmo desenho com um discreto alteamento da cobertura: “Isso é feito de forma muito discreta. O antes e o depois do edifício não permitem que tal seja percepcionado porque neste gesto, em particular, nós fizemo-lo à maneira antiga. (...) Portanto, quem não conhecer o edifício que estava aqui antes não suspeita que aquele não era, exactamente, o desenho original do edifício”, esclarece.

Reinterpretando o passado, o edifício vive da nostalgia de outrora e estabelece um “diálogo a dois tempos”. E é também a dois tempos que acontece a prática arquitectónica do Diogo Aguiar Studio. Oscilando entre a ‘arquitectura efémera’ e a ‘arquitectura perene’ – que é aquela que é mais comummente conhecida pelo público através da “construção dos edifícios” –, o arquitecto reconhece que a intervenção na Quinta da Aveleda foi influenciada por essa ‘arquitectura temporária’, que goza de bastante liberdade e autonomia. No atelier, fazem questão de manter as duas práticas porque acreditam “que ambas se contaminam” e consideram que “toda a arquitectura deve ser capaz de criar ambientes imersivos e sensoriais”.

Conscientes de que um ambiente pode alterar um estado de espírito, não é por acaso que a organização dos espaços do Edifício da Eira é feita por contrastes e antíteses: “Há um espaço que tem um pé-direito, que depois baixa; há um espaço que é claro (sala de prova de vinhos), e quando percorremos o edifício chegamos a um espaço que é escuro (vinoteca)”. Em diálogo directo, está também a poética da Quinta da Aveleda, com os seus jardins românticos e o processo industrializado da vinificação. Segundo o arquitecto, não é necessário “esconder a parte da produção tal como ela é”, pois há cada vez mais pessoas interessadas em perceber estes processos, que “têm a sua beleza, enquanto modo de fazer”.

Claro que neste “ecossistema” existem partes “mais romantizadas” e outras que são de “natureza pragmática”. Embora coabitem no mesmo habitat, cada uma cumpre o seu papel, e o arquitecto acredita que a experiência da visita fica também “mais rica” para quem “souber ler e souber apreender estes universos que, na verdade, se complementam”.

Importa referir que, desde esta intervenção ao Edifício da Eira, o Diogo Aguiar Studio tem feito um conjunto de outros trabalhos com a Quinta da Aveleda, nomeadamente a renovação de alguns escritórios e um master plan “que prevê o desenvolvimento da quinta ao longo dos anos, na sua expansão também agro-industrial”. Estão também envolvidos noutros dois projectos de enoturismo da marca Aveleda, como é o caso da Quinta Vale Dona Maria, em São João da Pesqueira, e a Villa Alvor, em Portimão.


No País dos Arquitectos é um dos podcasts da Rede PÚBLICO. Produzido pela Building Pictures, criada com a missão de aproximar as pessoas da arquitectura, é um território onde as conversas de arquitectura são uma oportunidade para conhecer os arquitectos, os projectos e as histórias por detrás da arquitectura portuguesa de referência.

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