Domingos Lopes: “Quando os comunistas portugueses protestavam contra a guerra não tinham ameaças de 15 anos de prisão”

Regime de Vladimir Putin é absolutista, imperial e czarista, diz aquele que foi secretário de Álvaro Cunhal nos governos provisórios e dirigente do sector internacional do PCP. Lança esta terça-feira o livro 100 anos do PCP, resgatar e reconfigurar o ideal comunista

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Domingos Lopes critica posição do PCP sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia daniel rocha

Foi secretário de Álvaro Cunhal nos governos provisórios e dirigente do sector internacional do PCP. Uma vida de 40 anos de militância, com prisão em Caxias, que abandonou quando Carlos Brito foi suspenso, Edgar Correia e Carlos Luís Figueira expulsos, e o Novo Impulso que protagonizaram passou ao índex partidário da Soeiro Pereira Gomes. Ao fim da tarde desta terça-feira lança 100 anos do PCP, resgatar e reconfigurar o ideal comunista, livro trabalhado no último ano e meio durante a pandemia.

Como vê a situação do PCP?
Este é o momento mais difícil que o partido atravessou após o 25 de Abril, pela erosão da sua base eleitoral e a forma como se deixou aprisionar pela posição que tomou com a invasão da Ucrânia. O PCP chegou a ter 1,2 milhões de votos e agora tem 200 mil votos. O grosso do eleitorado que conquistou a seguir ao 25 de Abril tem sido desgastado, até pela lei da vida.

Nas legislativas antecipadas, o PCP foi vítima do voto útil no PS?
O PCP, nas circunstâncias de um PS português, será sempre vítima do voto útil no PS, como consequência do seu posicionamento e constrangimento de voto. Sabendo que o PS ia para eleições, não se compreende a posição do PCP nem do Bloco de Esquerda de irem para eleições [ao chumbar o Orçamento de Estado]: era claro que ou vinha a direita ou um PS reforçado. A solução da gerigonça funcionou mal, mas funcionou. Claro que tinha fragilidades, mas não fazia sentido mudar o azimute.

Qual o motivo da estratégia do PCP?
O PCP perdeu ao querer acompanhar o Bloco para não ser ultrapassado à esquerda e dar a possibilidade ao PS de governar à larga.

Contudo, o PCP mantém o discurso que os governos do PS são iguais aos do PSD/CDS e da troika…
O PS é um partido social-democrata, o PSD é de centro-direita, pelo que o PCP não tem de empurrar o PS para a direita. Este é um grave erro na política de alianças, a ideia peregrina do vanguardismo. Está nos estatutos do partido que é a vanguarda da classe operária e de todos os trabalhadores que, como é manifesto, não votam no PCP.

O PCP ficou imutável às novas realidades sociais?
O mundo de 1974 é imaginário, isso já não existe. Esse discurso devia ser actualizado face à terciarização do mundo do trabalho. A maior parte dos assalariados está no sector terciário, cada vez há menos fatos de macaco, os trabalhadores rurais no Alentejo são nepaleses e indianos.

Ou seja, não há abertura?
O PCP, entre abrir-se e ser capaz de recrutar activistas com sangue novo, prefere ter os mesmos de sempre de há 20 ou 30 anos a liderarem a vida política, quando a sociedade portuguesa é diferente.

Isso terá custos para o movimento sindical, a tradicional âncora do PCP?
Claro que vai ter custos para o movimento sindical. Em vez de permitir um rejuvenescimento das organizações sindicais equivale ao seu afunilamento.

Se as legislativas tivessem sido antes da invasão da Ucrânia, o resultado eleitoral do PCP seria pior?
Se agora houvesse eleições, as posições que o PCP tomou seriam muito negativas para o PCP. O ideal comunista, que é de paz, diz que um povo não pode ser livre quando oprime outros povos. Aliás, o PCP foi sempre a favor da independência de todos os povos.

Como interpreta a vaga de repressão na Rússia contra os protestos?
Quem falar de guerra na Ucrânia arrisca a 15 anos de prisão, quando os comunistas em Portugal, em ditadura, se manifestavam contra o colonialismo não tinham essa ameaça. Do que Vladimir Putin deve ter medo, pavor, é do isolamento do regime. E, se apesar das ameaças, as pessoas saem à rua isso é prova de descontentamento.

Como classifica o regime russo?
É um regime absolutista, imperial, czarista.

Voltando ao PCP. Depois da nossa entrevista de há três anos [Agosto de 2019), alguma coisa mudou?
Não, piorou.

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