Alterações climáticas

“O carvão não é coisa do passado”: o peso pesado da indústria do carvão na Europa

Ao longo de um ano, o fotógrafo britânico Dan Wilton visitou nove países europeus, entre os quais Portugal, no sentido de compreender efeitos da indústria do carvão. O projecto The Very Fire They Sit Beside semeia a discussão sobre os impactos e desafios do abandono do carvão enquanto fonte energética para as economias, as sociedades e para o planeta.

Central Termoeléctrica de Sines, Portugal, 2019. Na altura em que foi feita esta fotografia, a central ainda se mantinha em funcionamento e era uma das mais poluentes da Europa. 2021 ficou marcado pelo seu encerramento, dez anos antes do previsto; a Central do Pego, então a última central energética a carvão, encerrou pouco tempo depois, em Novembro. Portugal está livre de carvão. ©Dan Wilton
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Central Termoeléctrica de Sines, Portugal, 2019. Na altura em que foi feita esta fotografia, a central ainda se mantinha em funcionamento e era uma das mais poluentes da Europa. 2021 ficou marcado pelo seu encerramento, dez anos antes do previsto; a Central do Pego, então a última central energética a carvão, encerrou pouco tempo depois, em Novembro. Portugal está livre de carvão. ©Dan Wilton

O encerramento das centrais termoeléctricas de Sines (no distrito de Setúbal) e do Pego (no distrito de Abrantes), em 2021, transformou Portugal no quarto país da União Europeia a abandonar totalmente o uso de carvão na produção de energia eléctrica — nove anos antes do compromisso assumido por Portugal diante dos pares da UE e 29 anos antes da data-limite de 2050 acordada pelos Estados-membros no âmbito do Pacto Ecológico Europeu. Em 2020, a energia produzida por estas centrais portuguesas supria, de acordo com relatório da Agência Internacional de Energia (AIE), 6% das necessidades energéticas do país.

A convite da organização ambientalista não-governamental ClientEarth, o fotógrafo britânico Dan Wilton visitou Portugal, em 2019, aquando do desenvolvimento do projecto The Very Fire They Sit Beside, que documenta os efeitos da indústria do carvão nas paisagens e comunidades de nove países europeus – Espanha, Inglaterra, Alemanha, República Checa, Grécia, Polónia, Sérvia e Bulgária. Referindo-se à fotografia que realizou em Sines, que descreve um dia de Verão junto à central de transformação em funcionamento, Dan Wilton observa que “tem sido interessante perceber como o significado da imagem mudou ao longo do tempo”. Em entrevista, recorda que “Sines foi uma das centrais mais poluentes da Europa”. Se inicialmente considerava a fotografia simplesmente “cativante”, hoje apelida-a de “a mais esperançosa” de toda a série. Afinal, a unidade de transformação encerrou mais de 10 anos antes do previsto.

A viagem do fotógrafo é demorada, assim como o seu olhar sobre o tema. “Acho que muitas pessoas imaginam que o carvão pertence a uma era ultrapassada na Europa. Eu sei que eu pensava assim.” Os factos, porém, colocam o carvão em força no presente. “Sempre pensei que a Alemanha fosse uma líder verde na Europa”, nota. “Não fazia ideia que apenas a meia hora de carro de Colónia estão algumas das maiores minas de lignito do mundo, rodeadas por um anel de centrais de transformação termoeléctrica que dão forma a um dos pontos de maior emissão de carbono da Europa.” Em 2020, a Alemanha dependia do carvão para suprir quase 23% das suas exigentes necessidades energéticas — e pouco mudou desde então. Estima-se que essa dependência possa mesmo vir a agravar-se com a eclosão da guerra na Ucrânia. “Acho isso estonteante”, exclama.

Durante o seu périplo pela Alemanha, Dan conheceu a antiga aldeia de Manhein, na Renânia do Norte-Vestefália, que foi evacuada nos anos 40 e 50 para permitir o alargamento das minas de carvão vizinhas. “Manheim só existe nas memórias dos seus antigos habitantes”, pode ler-se numa das legendas de uma fotografia do projecto. Actualmente, à semelhança de outras no país, Manhein é uma vila-fantasma. “Este é um problema pouco conhecido, mas comum no que toca a minas a céu aberto por toda a Europa. As minas devoram as paisagens e as autoridades são forçadas a realojar as populações para abrir caminho.”

Na Grécia, são poucos aqueles que ainda permanecem na vila nortenha de Anargyroi, cerca de 150 quilómetros a oeste de Salónica. Parte de Anargyroi ficou destruída aquando de uma forte derrocada da mina de Amyntaio, em 2017. “A maioria dos habitantes perdeu as suas casas, as pessoas não puderam regressar”, descreve Wilton. “As habitações que restaram ainda têm marcas do dia do colapso — fendas nas paredes, no chão. Os residentes pedem, há muito, compensação pelos danos.” Sem sucesso. O encerramento da mina de Amyntaio está previsto para final de 2023 — o de todas as minas de carvão da Grécia tem data fixada em 2025.

As consequências da utilização do carvão enquanto fonte de energia são nefandas para o meio ambiente e a saúde pública. “Visitei uma cidade em Espanha onde o solo registava níveis de mercúrio sete a dez vezes superiores àqueles que são permitidos pela Organização Mundial de Saúde”, narra Wilton. “As pessoas continuam a plantar nesses solos, apesar dos depósitos de metais pesados que contaminam as águas da região.” Na Bulgária, o fotógrafo deparou-se com parques infantis cobertos por uma fina camada de pó tóxico proveniente de uma central termoeléctrica.

Em 2017, refere Dan Wilton, existiam 320 centrais de transformação de carvão em energia. “Agora, mais de metade dessas estruturas está encerrada ou já tem data marcada para o encerramento.” A Polónia, o maior produtor de energia a partir do carvão da UE, é o único Estado-membro que não avançou ainda uma data para o término. 

Mas quais os vectores que influenciam o corte com o carvão? A dependência fóssil, com ou sem a presença do carvão, é transversal a todos os países da UE. Todos, com excepção da Suécia e Dinamarca (exportadora de petróleo), que dependem de energias verdes, dependem sobretudo do petróleo e do gás natural para suprir as suas necessidades energéticas. Em Portugal, por exemplo, de acordo com dados de 2021 da AIE, 76% da energia consumida em 2019 foi proveniente da combustão de petróleo (43%) e de gás natural (24%), bens integralmente importados. As energias eólica e hidroeléctrica supriram apenas 5,5% e 3,5%, respectivamente, das necessidades energéticas do país – valores manifestamente insuficientes, apesar de Portugal ter nota positiva no que toca à introdução de renováveis.

Para Portugal, abandonar o carvão teve um impacto relativamente baixo, tendo em conta que este representava apenas 6% no bolo energético. A Alemanha, que tem uma necessidade de consumo energético 14 vezes superior a Portugal, enfrenta um desafio diferente: o abandono do carvão tem e terá um impacto profundo na sua economia. Tornar obsoletas as infra-estruturas associadas ao carvão e substituir a fonte de 23% da energia no país sem recorrer a mais matéria-prima fóssil é o dilema que enfrenta sob o olhar atento da UE e do mundo. No presente cenário geopolítico, tendo em conta que a Rússia era um dos seus principais fornecedores de gás natural, esse desafio tornar-se-á ainda mais exigente.

Os custos para a saúde humana são, independentemente do impacto económico, bastante elevados. Na Alemanha, a toxicidade do ar em torno das centrais termoeléctricas de carvão está associada a quase tantas mortes como aquelas que são provocadas por acidentes de viação. Na Polónia, no entanto, onde se estima que 2500 mortes prematuras estejam associadas à proximidade de centrais termoeléctricas, dá-se o caso de o carvão se ter imiscuído no tecido cultural das populações. “Existe, na Polónia, um orgulho imenso associado à herança da mineração de carvão”, explica Wilton. Em várias cidades da região da Silésia, celebra-se anualmente a Babórka, o dia de Santa Bárbara, a padroeira dos mineiros.

Existe, assim, maior resistência da Polónia relativamente ao abandono do carvão no país. “As pessoas não têm culpa de terem crescido numa área onde a mineração era o principal empregador durante décadas”, observa. “Quem viveu e trabalhou nessa indústria tornou-se dependente dela, não se pode simplesmente encerrar tudo e seguir em frente.” Wilton acredita que é necessário pensar numa “transição justa” para essas comunidades. “Ultrapassar o carvão, sim, mas respeitar as pessoas que sacrificaram as suas vidas para produzir a energia que chega até nossas casas, garantir que têm um futuro estável.”

A exposição do projecto de Dan Wilton, fotógrafo freelancer que colabora com o The New York Times ou o The Guardian, pode ser visitada, a partir de 10 de Março, em Londres, na Huxley-Parlour Gallery. Todas as receitas de venda fotográfica serão direccionadas para o financiamento da ClientEarth. Em jeito de conclusão, “posto de forma simples”, refere o britânico, “a poluição gerada pelo carvão não respeita fronteiras. É a poluição gerada pelo carvão que mais contribui, presentemente, para as alterações climáticas. É um problema colectivo neste momento de crise climática.”

Central termoeléctrica de Aboño, Gijón, Espanha, 2019. Espanha já foi um país de produção intensiva de energia a partir do carvão, mas uma mudança de governo ditou uma mudança profunda. Se em 2012 os mineiros marchavam centenas de quilómetros em protesto contra os cortes dos subsídios associados ao carvão, o país hoje tem as leis mais progressistas do território europeu no sentido da abolição do carvão — incluido planos de pensões para mineiros e um planto para encerrar todas as centrais e minas até 2025.
Central termoeléctrica de Aboño, Gijón, Espanha, 2019. Espanha já foi um país de produção intensiva de energia a partir do carvão, mas uma mudança de governo ditou uma mudança profunda. Se em 2012 os mineiros marchavam centenas de quilómetros em protesto contra os cortes dos subsídios associados ao carvão, o país hoje tem as leis mais progressistas do território europeu no sentido da abolição do carvão — incluido planos de pensões para mineiros e um planto para encerrar todas as centrais e minas até 2025. ©Dan Wilton
Festival de Música Country Towerfest, na central termoeléctrica de Drax, em North Yorkshire, Inglaterra, 2019. Os proprietários da central termoeléctrica de Drax, que utilizava exclusivamente carvão, começaram a direccionar a sua produção para outro tipo de alternativas — incluindo a muito contestada biomassa (a combustão de 'pellets' de madeira). Para o efeito, a empresa recebeu milhões em subsídios por parte do governo inglês.
Festival de Música Country Towerfest, na central termoeléctrica de Drax, em North Yorkshire, Inglaterra, 2019. Os proprietários da central termoeléctrica de Drax, que utilizava exclusivamente carvão, começaram a direccionar a sua produção para outro tipo de alternativas — incluindo a muito contestada biomassa (a combustão de 'pellets' de madeira). Para o efeito, a empresa recebeu milhões em subsídios por parte do governo inglês. ©Dan Wilton
Ende Gelände, protestos junto à mina de Garzweiler da empresa RWE, na Renânia do Norte-Vestefália, Alemanha, 2019. Todos os anos, grandes grupos de activistas invadem as enormes minas da RWE, na Renânia do Norte-Vestefália, com o objectivo de interromper a mineração e pressionar o governo alemão no sentido da abolição da produção de energia com base no carvão. Está previsto o abandono do carvão na Europa até 2030, porém, na Alemanha, esse está previsto apenas para 2038.
Ende Gelände, protestos junto à mina de Garzweiler da empresa RWE, na Renânia do Norte-Vestefália, Alemanha, 2019. Todos os anos, grandes grupos de activistas invadem as enormes minas da RWE, na Renânia do Norte-Vestefália, com o objectivo de interromper a mineração e pressionar o governo alemão no sentido da abolição da produção de energia com base no carvão. Está previsto o abandono do carvão na Europa até 2030, porém, na Alemanha, esse está previsto apenas para 2038. ©Dan Wilton
Vista aérea sobre as minas de Hambach, na Renânia do Norte-Vestefália, Alemanha, 2019. O complexo industrial na Renânia do Norte-Vestefália é gigantesca e contém várias minas de carvão que são responsáveis pelas maiores emissões de carbono da Europa. Em conjunto com as centrais termoeléctricas de Neurath e Niederaußem, que se encontram nas proximidades, as emissões são superiores às produzidas por países inteiros. A mina de lignito de Hambach é a maior mina de carvão a céu aberto da Europa ocidental, com ums superfície que ronda os 80 quilómetros quadrados. No seu ponto mais profundo, tem meio quilómetro de profundidade.
Vista aérea sobre as minas de Hambach, na Renânia do Norte-Vestefália, Alemanha, 2019. O complexo industrial na Renânia do Norte-Vestefália é gigantesca e contém várias minas de carvão que são responsáveis pelas maiores emissões de carbono da Europa. Em conjunto com as centrais termoeléctricas de Neurath e Niederaußem, que se encontram nas proximidades, as emissões são superiores às produzidas por países inteiros. A mina de lignito de Hambach é a maior mina de carvão a céu aberto da Europa ocidental, com ums superfície que ronda os 80 quilómetros quadrados. No seu ponto mais profundo, tem meio quilómetro de profundidade. ©Dan Wilton
Casa abandonada na antiga aldeia de Manheim, Alemanha, 2019. Manheim só existe nas memórias dos seus antigos habitantes. A nova Manheim foi construída ao abrigo de um programa de realojamento da população que permitirá a expansão da grande mina de lignito que se encontra nas proximidades. Este é um problema pouco conhecido mas comum, no que toca a minas a céu aberto por toda a Europa. As minas devoram as paisagens, as autoridades são forçadas a realojar as populações para abrir caminho.
Casa abandonada na antiga aldeia de Manheim, Alemanha, 2019. Manheim só existe nas memórias dos seus antigos habitantes. A nova Manheim foi construída ao abrigo de um programa de realojamento da população que permitirá a expansão da grande mina de lignito que se encontra nas proximidades. Este é um problema pouco conhecido mas comum, no que toca a minas a céu aberto por toda a Europa. As minas devoram as paisagens, as autoridades são forçadas a realojar as populações para abrir caminho. ©Dan Wilton
Mina de Lignito de Povrchový lom CSA, República Checa, 2019. Uma longa contenda sobre o fim do carvão na República Checa resultou no anúncio recente de que o país irá encerrar a sua produção em 2033. Apesar de ir para além da data acordada na UE, a actual proposta é melhor do que a original, que apontava para 2038.
Mina de Lignito de Povrchový lom CSA, República Checa, 2019. Uma longa contenda sobre o fim do carvão na República Checa resultou no anúncio recente de que o país irá encerrar a sua produção em 2033. Apesar de ir para além da data acordada na UE, a actual proposta é melhor do que a original, que apontava para 2038. ©Dan Wilton
Habitantes de Anargyroi, no norte da Grécia, 2019. Anargyroi ficou semidestruída quando a mina  de carvão de Amyntaio, com cinco quilómetros de extensão, sofreu uma catastrófica derrocada, em 2017. A maioria dos habitantes perdeu as suas casas e não puderam regressar. As habitações que restaram ainda têm marcas do dia do colapso - fendas nas paredes, no chão. Os residentes pedem, há muito, compensação pelos danos.
Habitantes de Anargyroi, no norte da Grécia, 2019. Anargyroi ficou semidestruída quando a mina de carvão de Amyntaio, com cinco quilómetros de extensão, sofreu uma catastrófica derrocada, em 2017. A maioria dos habitantes perdeu as suas casas e não puderam regressar. As habitações que restaram ainda têm marcas do dia do colapso - fendas nas paredes, no chão. Os residentes pedem, há muito, compensação pelos danos. ©Dan Wilton
Os últimos habitantes de Anargyroi, no norte da Grécia, 2019. Após décadas de dependência, a Grécia fechou o ciclo do carvão. Dentro de três anos, a maior parte das minas e centrais serão encerradas. O país ainda sofre as consequências dessa indústria. Os residentes de Anargyroi ainda lutam pelo direito a compensação.
Os últimos habitantes de Anargyroi, no norte da Grécia, 2019. Após décadas de dependência, a Grécia fechou o ciclo do carvão. Dentro de três anos, a maior parte das minas e centrais serão encerradas. O país ainda sofre as consequências dessa indústria. Os residentes de Anargyroi ainda lutam pelo direito a compensação. ©Dan Wilton
Jan, Borbírka, Katowice, Polónia, 2019. A mineração de carvão está intimamente ligada à cultura da Polónia. A poluição que gera interfere directamente com a saúde, causando o número estimado de 2500 mortes prematuras por ano. Um estudo recente revela que as crianças que vivem nas proximidades das centrais termoelécticas foram expostas a níveis de carbono negro cancerígeno quatro vezes superior às crianças que vivem em França.
Jan, Borbírka, Katowice, Polónia, 2019. A mineração de carvão está intimamente ligada à cultura da Polónia. A poluição que gera interfere directamente com a saúde, causando o número estimado de 2500 mortes prematuras por ano. Um estudo recente revela que as crianças que vivem nas proximidades das centrais termoelécticas foram expostas a níveis de carbono negro cancerígeno quatro vezes superior às crianças que vivem em França. ©Dan Wilton
Jovens de Bobov Dol, Bulgária, 2019. A Bulgária é o único país da União Europeia que ainda tem registos de chuvas ácidas, com sinais de trânsito nas proximidades das centrais termoeléctricas a ganhar ferrugem devido às elevadas concentrações de dióxido sulfúrico. A lei europeia exige a utilização de tecnologia que reduza as emissões das centrais termoeléctricas a carvão. Na Bulgária, no entanto, elas não são usadas por motivos de contenção de custos. A saúde das comunidades tem sofrido e as mesmas apontam as centrais como fonte desse prejuízo.
Jovens de Bobov Dol, Bulgária, 2019. A Bulgária é o único país da União Europeia que ainda tem registos de chuvas ácidas, com sinais de trânsito nas proximidades das centrais termoeléctricas a ganhar ferrugem devido às elevadas concentrações de dióxido sulfúrico. A lei europeia exige a utilização de tecnologia que reduza as emissões das centrais termoeléctricas a carvão. Na Bulgária, no entanto, elas não são usadas por motivos de contenção de custos. A saúde das comunidades tem sofrido e as mesmas apontam as centrais como fonte desse prejuízo. ©Dan Wilton