Sarah Everard: um ano depois, estamos todos convidados a denunciar abusos

Projectada pelo caso de Sarah Everard, Everyone’s Invited é uma plataforma onde todos podemos e devemos denunciar os casos de que fomos vítimas, seja através de relatos directos ou anonimamente no site e respectivas redes sociais.

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Reuters/DYLAN MARTINEZ

Quando em 1996 vim pela primeira vez a Londres, longe de imaginar um futuro nestas paragens, não pude deixar de me surpreender com os elementos da polícia nas ruas e o seu total à vontade. E digo à vontade não por se sentirem seguros porque armados até aos dentes, antes pelo contrário, ou não estivessem os elementos das forças de segurança tão desarmados como este narrador estupefacto diante de tamanha bizarria.

Mas não era bizarria alguma, era o mundo a andar para a frente. Uma sociedade evoluída, capaz, em paz, onde nem as polícias precisam de andar armadas quando os povos vivem em harmonia. Hoje, e fruto de sucessivos erros ao longo dos anos, mais do que falta de respeito, sinto medo da polícia britânica, desconfio da polícia britânica.

A 3 de Março, uma marcha de 200 mulheres em Londres marcou um ano desde a morte de Sarah Everard, a 3 de Março de 2021, por um elemento da polícia, Wayne Couzens. Sob o pretexto de estar a quebrar as regras de confinamento, Wayne Couzens algemou, raptou e violou Sarah, assassinando-a de seguida.

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Marcha de mulheres em Londres, um ano após a morte de Sarah Everard. DYLAN MARTINEZ

Hoje, um ano depois, sabemos como este ex-polícia já era sobejamente conhecido entre colegas como the rapist depois de em 2015 ter sido denunciado às autoridades por estar a conduzir nu. A polícia pouco ou nada fez.

Hoje, um ano depois, são inúmeras as vozes contra a conduta da polícia, uma polícia cuja cultura misógina, racista e de abuso sexual está à vista de todos e contra a qual nem Cressida Dick, a Comissária da Polícia, foi capaz de fazer algo.

E se hoje muito há a fazer dentro da polícia em nome da protecção das mulheres, muito mais há a fazer em todas as esferas da sociedade se queremos acabar com o medo das mulheres, das crianças, das minorias, dos mais fracos. Este é o objecto primordial de Everyone’s Invited. Criado em Junho de 2020 por Soma Sara e Meadow Walker, Everyone’s Invited é um movimento global contra o abuso sexual.

Projectada pelo caso de Sarah Everard, Everyone’s Invited é uma plataforma onde todos podemos e devemos denunciar os casos de que fomos vítimas, seja através de relatos directos ou anonimamente no site e respectivas redes sociais.

Porque o problema, e o problema de sempre, começa nas escolas. Começou na escola de Soma Sara, um colégio interno privado que não soube actuar diante dos comentários sexistas e racistas de que foi alvo. Mas também começa, e continua, em todas as escolas na educação para a sexualidade, na educação sexual, na discussão dos temas, na disseminação, ou não, de informação, no respeito pelo outro, na permissividade, na ausência de responsabilização, na não-formação de professores, na falta de professores e pais despertos para o problema em mãos, demasiado evidente e ainda bem presente nos dias de hoje.

E porque o problema começa nas escolas, mas também nas universidades, só em Março de 2021 foram mais de mil os testemunhos de estudantes universitários contra instituições tão prestigiadas como a Universidade de Oxford. Em Junho de 2021, Everyone’s Invited publicou uma lista com os nomes de mais de 2500 escolas secundárias e perto de 500 escolas primárias cujos alunos tiveram a coragem de denunciar e onde nem Eton é excepção.

E o que fazer quando até crianças de 11 anos de idade relatam os casos de foram vítimas? De então para cá, desde investigações da polícia a protestos estudantis, passando por medidas legislativas e linhas de apoio, de tudo um pouco já foi feito e tudo o resto ainda está por fazer.

Porque esta batalha, não, esta guerra não é de hoje, mas de sempre. E um dia, o dia chegará, eu sei que sim, do seu fim. E para que esse dia chegue o mais depressa possível, Everyone’s Invited a dar o seu contributo.

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