Kremlin anuncia novos corredores humanitários na Ucrânia – com destino à Rússia e à Bielorrússia

Ministério da Defesa russo garante que os civis vão poder sair em segurança de Kiev, Kharkiv, Mariupol e Sumi, mas o Governo ucraniano denuncia proposta “totalmente imoral”. Evacuações do fim-de-semana fracassaram, entre acusações das duas partes em guerra.

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Milhares de ucranianos continuam a chegar todos os dias à região Ocidental da Ucrânia, a caminho de países como a Polónia Adriano Miranda
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Homenagem dos soldados caídos em combate desde 2014, numa igreja em Lviv Adriano Miranda
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Guerra já provocou mais de 1,5 milhões de refugiados Adriano Miranda

O Ministério da Defesa da Rússia anunciou a abertura de novos corredores humanitários na Ucrânia a partir das 10 horas de Moscovo (7h em Lisboa) desta segunda-feira, para permitir a fuga em segurança de centenas de milhares de ucranianos que se encontram em cidades destruídas ou sitiadas pelas tropas russas. A proposta define, no entanto, os territórios russo e bielorrusso como principais destinos dos refugiados, causando indignação ao Governo ucraniano.

Segundo a agência noticiosa russa Interfax, o anúncio do Kremlin é uma concessão aos pedidos do Presidente francês, Emmanuel Macron, depois de as evacuações do fim-de-semana – particularmente em Mariupol, onde a situação humanitária é dramática – terem resultado num rotundo fracasso, com russos e ucranianos a acusarem-se mutuamente de desrespeito pelo cessar-fogo parcial.

Mais de 1,5 milhões de ucranianos abandonaram o país nas últimas duas semanas, a grande maioria em direcção à Polónia, mas também à Roménia, Eslováquia, Hungria e Moldova.

A Reuters cita os mapas divulgados pela agência russa RIA para informar que a proposta da Federação Russa inclui seis corredores e destacar quatro deles: um a sair de Kiev, a Norte, em direcção à Bielorrússia, país aliado da Rússia de Moscovo; outro a sair de Kharkiv, a Nordeste, em direcção ao território russo; e mais dois a saírem de Sumi (Nordeste) e Mariupol (Sudeste), com destino ao país invasor ou a outras cidades ucranianas da linha da frente.

Um porta-voz do Presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, disse, no entanto, que a proposta russa é “totalmente imoral”, por limitar os destinos de fuga dos ucranianos.

“Trata-se de cidadãos da Ucrânia, deviam ter o direito de evacuar para o território da Ucrânia”, criticou, citado pela Reuters. “O sofrimento das pessoas está a ser usado para criar uma imagem televisiva desejada”.

O Ministério da Defesa russo garante que os soldados, os veículos blindados e aeronaves russas vão suspender os bombardeamentos para permitir a passagem de civis e diz que toda a operação será supervisionada por drones, para assegurar o respeito da suspensão das hostilidades. Mas o Governo ucraniano desconfia.

Um primeiro acordo para a abertura de passagens seguras tinha sido alcançado na quinta-feira. Sábado estava tudo pronto para avançar com a evacuação, de Mariupol e de Volnovakha. Mas os carros que saíram da cidade portuária tiveram de voltar para trás, face aos bombardeamentos russos.

No domingo, novo anúncio e novo fracasso, com russos e ucranianos a responsabilizarem-se mutuamente. Um membro do Regimento Azov da Guarda Nacional ucraniana (que inclui muitos ex-milicianos do Batalhão Azov, grupo paramilitar de extrema-direita formado em 2014) afirmou que a saída de civis foi impedida pelas forças russas e pró-russas que cercam a cidade e que terão chegado a bombardear os autocarros em fila à espera dos habitantes; um responsável da administração pró-russa de Donetsk devolveu a acusação aos ucranianos.

No domingo à noite, num discurso ao país, Zelensky referiu o caso de uma família – um pai, uma mãe, um adolescente e uma menina pequena – que foi morta pela artilharia das tropas russas quando tentava fugir de Irpin, nos arredores de Kiev, para denunciar a violação dos corredores humanitários por parte do Exército russo, acusando-o de estarem a alvejar civis, a atacar zonas residenciais e a cometer crimes de guerra na Ucrânia.

“Para vocês [russos] não haverá nenhum lugar pacífico neste mundo, para além da sepultura”, afiançou o Presidente ucraniano, prometendo “punir” todos os soldados e dirigentes russos que cometeram crimes contra civis.

Segundo as Nações Unidas, já morreram pelo menos 364 civis ucranianos desde o início da invasão russa, no dia 24 de Fevereiro. O número verdadeiro, assumiu no domingo a organização mundial, deve, ainda assim, ser bastante superior ao número “oficial”.

Moscovo nega as acusações do Presidente da Ucrânia e responsabiliza os “nacionalistas ucranianos” pela quebra de confiança na evacuação das cidades mais afectadas pela guerra.

Representantes das duas facções deverão reunir-se nesta segunda-feira, pela terceira vez, na Bielorrússia, junto à fronteira com a Ucrânia, para discutir novas soluções para possibilitar a fuga de civis e a entrada de ajuda humanitária no território.

Tal como nos dois primeiros encontros, desta reunião não deverá sair nenhum compromisso definitivo para o conflito, em parte porque o Kremlin continua a insistir que não vai abdicar de nenhuma das suas exigências – “neutralizar”, “desnazificar” e “desmilitarizar” a Ucrânia e garantir que o país nunca vai entrar na NATO –, e porque Kiev rejeita aceder a “ultimatos” enquanto o país continua a ser bombardeado a toda a hora, ou a pôr em causa a integridade territorial da Ucrânia.

Com Sofia Lorena

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