Filme de terror abala os alicerces do futebol mexicano

Num jogo da primeira divisão, confrontos nas bancadas resvalaram até uma autêntica barbárie, com pessoas nuas e indefesas a serem agredidas à porta do estádio. O campeonato foi suspenso e esperam-se sanções mais pesadas a um dos países organizadores do Mundial 2026.

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EPA/Enrique Contla
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Confrontos, agressões físicas e insultos, no início. Barbárie total, feridos e, segundo alguns relatos, mortos, no final. Foi isto que viveram o México e a Liga mexicana no sábado, com repercussões que se estenderão aos próximos dias e que, no limite, poderão beliscar os planos do país enquanto co-organizador do Mundial de 2026.

O que espoletou os incidentes é fácil de identificar: o jogo entre Querétaro e Atlas, relativo ao torneio Clausura, partida interrompida aos 63 minutos, por confrontos entre os adeptos das duas equipas. Muitos fugiram para o relvado, dada a escassa presença de força policial nas bancadas que evitasse o escalar dos confrontos.

Mais difícil de explicar é o que veio a seguir. Além de arremesso de cadeiras, engenhos pirotécnicos e agressões com as próprias mãos – formas mais comuns em estádios –, há já relatos de feridos com picadores de gelo, facas e até de agressões a crianças. Mais do que relatos, há imagens impublicáveis em que corpos nus, imóveis no chão, são pontapeados sem piedade.

No que diz respeito aos mortos, há informações contraditórias. Alguma imprensa fala de vítimas (números entre os 10 e os 20), dando até voz a adeptos presentes nas bancadas. “O jogo estava a decorrer normalmente, não havia razão para lutar. Estávamos todos com intenções normais de pessoas que vão ver um jogo. De repente, começamos a ver adeptos a correr na nossa direcção, vindos dos dois lados (…) vi corpos a serem perfurados com picadores de gelo. Tiraram-lhes toda a roupa. É algo que me vai marcar. Tocou-me muito ver pessoas a serem agredidas e assassinadas à minha frente”, relatou um jovem de 16 anos, a vários órgãos de comunicação mexicanos, revelando mesmo que um dos seus amigos não sobreviveu.

As autoridades descrevem, porém, um cenário menos apocalíptico, com “apenas” 22 feridos – e sem mortos. Seja qual for a versão real, os efeitos da barbárie serão, por certo, duradouros.

No plano da justiça, porque se esperam sanções pesadas a serem aplicadas aos envolvidos e aos clubes, sobretudo ao organizador do jogo (Querétaro). No sentido desportivo, além de já ter sido decretado o adiamento dos jogos de domingo, há a proibição de adeptos visitantes nas partidas das próximas jornadas e a suspensão de cinco elementos das forças policiais e de organização do jogo. “Os responsáveis pela falta de medidas de segurança no estádio serão punidos de forma exemplar”, promete a Liga mexicana.

FIFA pede acção rápida da justiça: “Intolerável"

Para o futebol mexicano, em particular, e para a América, em geral, são esperados anos difíceis a atrair jogadores e treinadores. “É preciso passar à acção. Palavras, o vento leva. Isso preocupa-me muito. A segurança preocupa-me muito. Quando entrei aqui e vi as imagens no México e me dizem que se passa a mesma coisa no Brasil, vou ter de pensar muito bem no que quero para a minha família, para mim e para os meus jogadores”, apontou Abel Ferreira, técnico português que tem tido enorme sucesso no Palmeiras.

No plano institucional e diplomático, a FIFA condenou os “bárbaros incidentes” e incentivou as autoridades locais a “levarem rapidamente os responsáveis à justiça”. “A FIFA está chocada com o trágico incidente (...). A violência foi inaceitável e intolerável”, acrescentou o organismo, garantindo que está em contacto com os dirigentes da Federação Mexicana de Futebol e da CONCACAF e prometendo continuar a trabalhar “em todos os sectores para erradicar a violência” da modalidade.

Resta saber que medidas adicionais existirão por parte do organismo que rege o futebol mundial, já que em 2026 há Campeonato do Mundo a ser organizado, de forma tripartida, pelo México, pelos Estados Unidos e pelo Canadá.

Por fim, no prisma humano, estes incidentes não serão fáceis de esquecer. Daqui em diante, o futebol mexicano deverá viver um êxodo de adeptos nos estádios de futebol, tal foi o nível de brutalidade. E mais ainda considerando que este foi o pináculo de outros incidentes do mesmo tipo.

Atlas e Querétaro, sempre eles

Estes confrontos, já comuns no continente americano, não são novidade na Liga mexicana ou sequer entre estes mesmos clubes. Um exercício de memória da Fox Sports do México recorda seis episódios nos últimos anos.

Além de um Tigres-Rayados no torneio Apertura de 2018 – resultou num adepto às portas da morte, com agressões na cabeça e nas costelas –, tem havido, essencialmente, problemas que envolvem o Atlas, o Querétaro ou mesmo ambas as equipas.

O Atlas-Chivas, em 2015, teve direito a invasão de campo ao minuto 57 por parte da claque do Atlas, que queria confrontar os jogadores e o treinador da própria equipa, a ser goleada por 4-1.

Em 2019, o San Luis-Querétaro juntou equipas com adeptos do mais violento do país. Claques dos dois clubes ignoraram o jogo que decorria no relvado e iniciaram confrontos nas bancadas, obrigando os adeptos pacíficos a refugiarem-se no relvado. Resultado: 33 feridos, estádio interditado durante três jogos, claques banidas no resto da temporada e mais de 500 mil euros de multa para cada clube.

Por fim, a verdadeira barbárie acontece quando se juntam precisamente Querétaro e Atlas, como no último sábado. Antes de 2022, já tinha havido problemas entre as claques Barra 51 (Atlas) e a Resistência Albiazul (Queréraro) em 2007, 2010 e 2013.

A Fox relembra que havia também uma componente desportiva associada, já que os dois clubes estavam, nestes anos, envolvidos na fuga à despromoção, com o Atlas a encaminhar o Querétaro para a descida de escalão. Um contexto desportivo que, no meio de incidentes desta gravidade, acaba por ser um mero detalhe.

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