Bill Cosby vai continuar em liberdade depois de Supremo dos EUA rejeitar recurso

A argumentação em torno do caso nada tem a ver com a prova sobre se o actor cometeu ou não os crimes de agressão sexual agravada. Acordo de 2005 é motivação de anulação da condenação de 2018.

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Em Julho do ano passado, Bill Cosby à porta de sua casa após ter sido libertado Mark Makela/Reuters

O Supremo Tribunal dos EUA rejeitou esta segunda-feira o recurso da acusação contra o actor norte-americano Bill Cosby, fazendo com que o comediante permaneça em liberdade e deitando definitivamente por terra a condenação de Setembro de 2018 que o colocou na prisão por vários crimes de agressão sexual agravada.

Um ano depois de se ter iniciado o movimento #MeToo, o actor norte-americano Bill Cosby era o primeiro rosto célebre a ser condenado por crimes sexuais abafados durante anos. Cumpriu quase três anos de pena de prisão, mas em Julho do ano passado a condenação foi anulada pelo Supremo Tribunal da Pensilvânia, estado onde foi julgado, porque tinha feito um acordo com um anterior promotor público há mais de 15 anos. O recurso interposto pela defesa do actor defendeu, com sucesso, que o acordo pré-existente invalidava um caso até aí considerado histórico — por ser a primeira sentença pós-MeToo.

O Supremo Tribunal dos EUA listou apenas os casos que não admitiu, sem justificar a decisão (algo que não foge à regra do funcionamento da mais alta instituição judicial norte-americana).

A argumentação em torno do caso, que levou a este desfecho, nada tem a ver com a prova sobre se o actor cometeu ou não os crimes em causa, vulgo a agressão sexual com o uso de drogas a Andrea Constand em 2004. É uma questão legal que se prende com o facto de o antecessor do procurador público estatal que levou o caso a tribunal ter feito um acordo com Cosby. O Supremo da Pensilvânia considerou que o responsável pela acusação de 2018 estava abrangido pelo compromisso assumido pelo antigo procurador e por isso que Cosby nunca devia sequer ter sido julgado. O procurador do condado de Montgomery decidiu não dar seguimento a uma acusação contra Cosby em 2005 movido precisamente por Andrea Constand, em troca de um depoimento do actor num processo cível por ela movido.

As declarações obtidas nessa audição desempenharam um papel importante no processo de 2018. Cosby admitiu em 2005 ter usado sedativos para conseguir sexo com mulheres, dizendo que era sexo consensual. Anos mais tarde, os documentos legais com essas informações vieram a público, e sabia-se também que Bill Cosby pagou pelo silêncio das suas acusadoras. A história de Andrea Costand foi a única que avançou pelo facto de o crime não ter ainda prescrito. Em 2017 chegou a encetar-se um primeiro julgamento, mas foi anulado porque o júri não conseguiu chegar a um veredicto.

Bill Cosby ostentou durante décadas o título de comediante amado pelo público norte-americano e até mundial, dono de uma personagem pública afável e apatetada, avessa a palavrões e defensora de algum conservadorismo. Mas nos bastidores corriam já histórias sobre a sua conduta com mulheres de diferentes profissões que se cruzavam no seu caminho. A de Costand era uma delas, e integrava uma investigação de 2014 da revista New York, corroborando outra reportagem da revista Newsweek. Depois disso, mais de 60 mulheres acusaram Cosby de violação ou agressão sexual, contando histórias que demonstravam um possível padrão de comportamento de sedução seguida da administração de sedativos sem o conhecimento dessas mulheres e depois a prática de actos sexuais sem o seu consentimento.

O relações-públicas de Bill Cosby, hoje com 84 anos, congratulou-se com a decisão e falou na existência de uma “cultura de corrupção” no condado de Montgomery.

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