A Rússia está a desaparecer do radar das empresas portuguesas: “Esta interrupção poderá ser duradoura”

Por precaução, por imposição ou por opção, as maiores exportadoras nacionais para a Rússia cortaram laços com um mercado que já valia pouco. Uns acreditam no regresso, outros não.

Foto
A Symington (na foto, uma das suas quintas de produção de uva) é uma das empresas nacionais que tinha a Rússia como um mercado em crescimento, até à invasão da Ucrânia ADRIANO MIRANDA (arquivo)

A Rússia já era um ponto minúsculo no mapa das exportações portuguesas antes de invadir a Ucrânia. Agora, está prestes a cair do radar das empresas portuguesas. Entre transportes que não há, encomendas canceladas e a opção deliberada por um boicote, as vendas à Rússia praticamente desapareceram numa semana. Da cortiça aos vinhos, das pedras ornamentais à cosmética, o lote das 250 maiores exportadoras para a Rússia representa indústrias muito variadas. Mas as decisões que têm vindo a ser tomadas vão no mesmo sentido, seja por precaução, por obrigação ou por opção, alinhando-se com o panorama internacional, em que há cada vez mais empresas a desligar-se da Rússia.

Apesar de ser o país mais extenso do mundo (a sua área é 185 vezes a de Portugal), a Rússia era insignificante para os negócios estrangeiros de Portugal. Em 2021, valeu 0,33% das exportações. Foram “meros” 178 milhões de euros de receita. Podia-se olhar para este país de 144 milhões de pessoas como um copo quase vazio. Porém, muitas empresas, como a Mocapor, viam antes um enorme mercado por explorar. A Rússia era uma oportunidade de crescimento.

Antes da invasão, a exportação para aquele destino “estava a correr muito bem”, afiança Jorge Rodrigues, administrador financeiro desta empresa de extracção e transformação de pedra ornamental com sede em Alcanede, no concelho de Santarém.

Vendas e encomendas “estavam com uma dinâmica interessante”. “Em 2019, a Rússia já era o terceiro destino, em 2021 passou para segundo e representava 11% do total”, prossegue Rodrigues.

A Mocapor é uma das 574 exportadoras portuguesas para a Rússia, segundo os registos da AICEP. Nos últimos dias, o PÚBLICO contactou por e-mail 200 das 250 com maior volume de vendas para aquele país. De entre as dezenas que responderam, resulta uma conclusão inegável: a paragem face à Rússia é total. Só mudam são as razões.

Na Mocapor, culpa-se a “falta de transporte”. A empresa mantém “um contacto próximo com os clientes russos"​, mas “o risco logístico” e as “sanções” forçaram a paragem, explica Jorge Rodrigues.

Risco logístico significa que faltam operadores, seja por terra, ar ou mar, e que sobra instabilidade geopolítica, que se reflecte no transporte internacional.

Também a J. Neves & Filhos (JNF), Comércio e Indústria de Ferragens, em São Pedro da Cova (Gondomar) é uma das muitas empresas com “encomendas pendentes preparadas para sair” e clientes “desesperados” na Rússia, afiança Nélson Almeida, director de exportação.

A exclusão de parte da Rússia do sistema de comunicações SWIFT, que facilita transacções transfronteiriças, não teve impacto. “O problema não é o pagamento, pois é possível ainda fazer transacções internacionais, mas sim unicamente o transporte. Não há transportes para a Rússia, nem aéreos nem marítimos, o que torna impossível o envio”, ilustra.

Antes do início da invasão, a 24 de Fevereiro, tudo “decorria com normalidade”, os pagamentos “chegavam rapidamente”, “havia camiões semanais, tudo normal, como com qualquer outro país”. Tudo mudou depois daquele dia. Nélson Almeida garante que a JNF está “disponível para recomeçar a boa relação comercial que havia, assim que for possível”. Resta esperar.

Interrupção “duradoura"

Quanto tempo dura uma guerra? Ninguém sabe. Mas Sérgio Figueiredo, gestor de vendas da Julipedra, outra empresa de exploração de pedreiras com quartel-general na Benedita (Alcobaça), admite que “esta interrupção poderá ser duradoura”.

“Depois de anos de investimentos em parcerias estratégicas neste difícil mercado, a nossa actividade para a Rússia estava a atingir a velocidade cruzeiro”, confidencia Figueiredo. Havia “produtos já especificados para um grande leque de projectos” e previa-se “aumentar o volume de negócios” com a Rússia.

As exportações estão agora “suspensas por questões logísticas”. “Os nossos parceiros russos falam em suspensão, mas da nossa parte sentimos que esta interrupção poderá ser duradoura”, diz.

Na Pine Rosins, uma empresa em Cantanhede que produz resinas e misturas usadas em diversas indústrias, abdicou-se voluntariamente da Rússia. Nuno Simão, responsável pelo desenvolvimento do negócio, revela que a empresa tinha apostado no mercado russo e por isso as exportações estavam a crescer. Porém, “tendo em conta a situação actual, a decisão é a de boicote”, revela.

A madeira e a cortiça constituem o segundo grupo de produtos mais vendidos à Rússia. Andreia Macedo, directora comercial da Paulo Antunes Furniture (Amares), revela que o mercado russo era cerca de 30% de facturação em 2021. Mas a empresa quis mudar de agulha e a Rússia deixara de ser uma aposta para 2022. Uma decisão que se deve às “particularidades” do mercado russo, afirma.

Na cortiça, no entanto, a aposta mantém-se. O grupo Amorim, líder mundial deste sector, não quis falar. Já a Sedacor/JPS Cork Group (Feira) refere, por Albertino Oliveira, director comercial e de marketing, que acompanha com “expectativa a evolução dos acontecimentos, na esperança de que possa haver rapidamente um entendimento” que permita o regresso à normalidade.

Há empresas portuguesas detidas por accionistas estrangeiros que também tiraram a Rússia da lista. É o caso da Amtrol Alfa (Guimarães), uma metalomecânica que produz botijas de gás e cujo accionista é norte-americano. A empresa não tem qualquer negócio em curso com a Rússia e “já suspendeu negociações e cotações em curso, tendo em conta a situação actual e o facto de o accionista ser norte-americano”.

Na Siroco, uma empresa de automação em Aveiro cuja casa-mãe é alemã, “as encomendas russas estão retidas na fábrica”, à espera de informação dos clientes. O grupo tem empresas em todo o mundo. Em Portugal, “não estamos aceitar novas encomendas”, diz Marília Lopes.

A ConforSteps (Felgueiras) vivia um “crescimento sustentado” para mais de meio milhão de euros de vendas para a Rússia até à invasão da Crimeia, conta Norberto Pinto. Em 2014, as vendas caíram para 50 mil euros. “Voltámos a apostar e a começar quase do zero”, lamenta.

Tal esforço estava a dar resultado: já havia encomendas de mais de 500 mil euros para 2022. Mas a reviravolta é dolorosa. “Tive de parar com todas as encomendas de matéria por forma a evitar mais prejuízos numa fase mais avançada. Neste momento, temos matérias-primas dentro de portas para as quais nos vai ser muito difícil arranjar saída. Produzir ou enviar para a Rússia neste momento é de todo impossível”, explica.

Elísio Ferreira, CEO da AFER Fute, que produz tábuas de engomar em Oliveira de Azeméis, conta que os riscos estão nos pagamentos. “Temos algum dinheiro em conta corrente de clientes e estamos receosos de não sermos pagos, ou seja, neste momento se aparecer alguma encomenda iremos exigir o pagamento adiantado”, descreve.

A Ideal Molde, de Maceira, (Leiria), actua no sector dos moldes, que é a oitava categoria mais vendida para a Rússia, com um contributo de 2,6% para as exportações nacionais para aquele país. “Trabalhava com empresas de grande dimensão na Rússia”, diz o CEO, Pedro Cardeira. Tinha “diversos projectos a decorrer” e não equaciona um boicote, porque “não trabalha com empresas relacionadas com o governo, ou com a guerra em si”.

Teme a fuga de clientes russos para mercados que não aplicaram sanções. O futuro, resume, “não é claro”: “Apenas vemos os clientes a cancelar investimentos programados e esperar que tudo se resolva de forma pacífica e rápida.”

"Enorme dificuldade” nos vinhos

O sector dos vinhos têm muito a perder com a situação actual. Para uma das grandes empresas da região do Douro, a Symington Family Estates, o mercado russo apresentava “uma forte progressão ao longo dos últimos cinco anos”. João Vasconcelos, responsável pelas vendas, vê “um momento de enorme dificuldade” que “terá possivelmente um efeito negativo” no trajecto no mercado russo. Por agora, a empresa “acompanha as medidas impostas pela UE”, garantindo que estas “serão cumpridas e apoiadas pela Symington”.

Mais a norte, junto ao rio Minho, a empresa de Anselmo Mendes, que aposta sobretudo nos vinhos verdes e Alvarinhos, tinha a Rússia como o quinto maior mercado, diz Tiago Mendes, gestor de exportação. “Até à invasão, as exportações decorriam até com um ligeiro crescimento face a 2021. Porém a situação actual trará enormes impactos negativos.”

“Neste momento, as exportações estão paradas, até por decisão do nosso importador. Como a situação ainda é muito incerta, achámos sensato travar as exportações de momento.”

O sector do vinho representa a quarta categoria de produtos mais exportados para a Rússia (6,2% das exportações totais). Os problemas afectam produtores de todo o país. No Alentejo, a Carmim (Reguengos de Monsaraz) decidiu “suspender algumas encomendas em carteira”. Segundo a assessora de imprensa, o objectivo é “avaliar o impacto das sanções”, em particular do afastamento russo do SWIFT, bem como da desvalorização do rublo.

No alimentar, a Bonduelle Portugal diz que terminou a exportação para a Rússia. O gestor António Manso sublinha que as vendas nesse mercado “tinham como destino outra filial do grupo Bonduelle”.

O fecho do espaço aéreo sobre a Rússia e a proibição de voos russos sobre a UE é outro empecilho para empresas que vendem ao consumidor final, como a loja online de cosmética Care To Beauty. Esta empresa sediada na Maia decidiu abdicar da Rússia, que valia 1% da facturação. “Mesmo que quiséssemos continuar a vender, não haveria forma de entregar”, resume, lembrando que empresas como a DHL, a UPS, a DPD ou a FedEx deixaram de servir aquele país. O site continua disponível na Rússia, mas não a escolha deste país como destino. Uma situação que se vai manter por tempo indefinido.

Sugerir correcção
Ler 5 comentários