A Guerra da Ucrânia e a iWar

O conflito entre a Ucrânia e a Rússia recordou-nos que as guerras não são travadas apenas com armas e tanques, mas também com tecnologias da informação.


Nas últimas décadas, as transformações tecnológicas, e em particular a implementação do smartphone, contribuíram para mudanças estruturais nas mais variadas áreas da vida. Assistimos agora a novas formas de impacto na guerra.

O conflito entre a Ucrânia e a Rússia recordou-nos que as guerras não são travadas apenas com armas e tanques, mas também com tecnologias da informação. As medidas de Vladimir Putin, para restringir o acesso às redes sociais no país, e da Comissão Europeia, para vedar as transmissões da Russa Today, da Sputnik e da TASS na UE, são reveladoras da atribuição de um estatuto de soft power à informação, o equivalente simbólico do hard power das operações militares. Todavia, na era digital hiperconectada, a mediatização da guerra não se controla por decreto.

Grande parte das estratégias de propaganda das várias partes envolvidas está a acontecer em redes sociais como o Facebook, o Twitter, o TikTok, o WhatsApp e o Telegram. Fala-se muito sobre este assunto e as medidas de combate à desinformação russa implementadas pelas plataformas digitais. Aqui abordo uma perspetiva que se tem mantido na sombra destas questões.

Se é sabido que o consumo de notícias aumenta em contextos de crise, para um número elevado de pessoas este consumo é integrado na exposição a um caudal de posts, vídeos e comentários nas redes sociais, o que as põe em contacto com vivências da guerra na primeira pessoa.

Na cultura digital, a expressão individual é percebida como autêntica, genuína e verdadeira, logo, de confiança. Desta forma, os usuários encontram nestes relatos impressionistas novas fontes de informação que lhes permitem complementar e avaliar a cobertura noticiosa. Muitos dos seus autores comunicam em inglês, expandindo assim o número de partilhas e seguidores. Imagens retiradas do contexto e reintegradas em conversas online em variadas línguas espalham e reforçam, ainda mais, estas novas fontes de informação. Todavia, mesmo que sejam genuínos e bem intencionados, estes relatos não podem ser desligados do seu contexto de produção: pessoas a viverem experiências-limite, em que o medo e a incerteza são rastilho para rumores, distorções e ausência de discernimento. Este processo faz com que várias destas contas configurem formas não intencionais de desinformação, em que muitos usuários acreditam de modo desprotegido.

Se a produção e a disseminação destas mensagens são feitas através de media individuais móveis e conectados, grande parte da sua receção também é consumida através do smartphone. É sabido que ecrãs pequenos condicionam a capacidade de avaliar imagens e textos, e que o consumo em movimento, em multitasking e em certos momentos do dia (como ao acordar ou antes de adormecer) alteram o contexto de receção: diminuem a concentração e a capacidade crítica, enquanto aumentam o impacto emocional. Tudo isto introduz novas camadas na já de si complexa mediatização da guerra na era digital.

Assente em formas de produção, disseminação e consumo de conteúdos mais imediatistas, intensivos e intimistas, esta está a ser uma guerra difusa, que gera novas vulnerabilidades e perceções individualizadas em massa, introduzindo dinâmicas distintas no processo de formação da opinião pública. Com o conflito na Ucrânia está, assim, a emergir um novo tipo de guerra hiperconectada: a iWar.

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