A guerra na Ucrânia é uma emergência humanitária — mais uma

A boa vontade humanitária que estamos a sentir coletivamente, despertada por uma guerra da qual temos receio, por se desenrolar na Europa, pode ser distribuída também por outros locais do mundo.

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Sunguk Kim/Unsplash

Ninguém consegue ficar alheio às imagens da barbárie cruenta na Ucrânia, em solo europeu.

E que bom é, não estarmos indiferentes.

Como seres humanos, reagimos com mais emotividade aos problemas dos que nos são mais próximos; é assim que funciona a vinculação afetiva.

Aliviados por nos despedirmos de uma pandemia que nos desorientou a vida durante dois anos, quando nos preparávamos para voltar à vida normal, os alarmes de guerra soaram, já após o invasor agir, no epicentro do nosso velho continente.

(Nós, “os aliviados” europeus. Os países pobres continuam numa luta desigual contra a covid-19, na qual a maioria das pessoas não foi vacinada e a imunidade natural ainda faz o seu papel isoladamente, aliada à seleção natural das espécies, sobrevivendo o mais forte.)

E como sempre, o mediatismo tem impacto (seletivamente).

Fazem-nos doer muito, por estes dias, as imagens transmitidas pelos noticiários, preenchidos pelos horrores das atrocidades cometidas na Ucrânia.

Existem muitas outras guerras, atualmente, dispersas pelo mundo.

Mas, como seria natural, a opinião pública está agora motivada a ajudar o povo ucraniano.

Não só pela informação recebida exclusivamente sobre o desenrolar desta guerra a cada minuto (e as outras permanecerem invisíveis), não só por ser na “nossa” Europa (e o nosso instinto de sobrevivência foi naturalmente acionado; temos medo das consequências sobre os nossos, sentimo-nos também ameaçados), mas também porque foram criados por cá laços de fraternidade, pelo contato com imigrantes ucranianos, que vieram para Portugal há vários anos.

As correntes de solidariedade rapidamente se iniciaram por todo o país — a boa vontade é uma das virtudes que nos carateriza como povo português.

Mas, quase nunca, uma reação por impulso é a mais acertada e a mais eficaz.

Clarificando a mensagem:

- É muito importante ajudar, em qualquer catástrofe humanitária.

- É a união, que faz a força.

A boa vontade é o primeiro passo, mas mesmo bem-intencionado, um apoio desorganizado não surte o mesmo efeito que o que vai diretamente canalizado para organizações experientes em gerir com profissionalismo todos os fundos recolhidos, ou seja, proporcionalmente às necessidades.

Estas organizações agem com celeridade e competência.

Têm em linha de conta o que é preciso e onde é preciso, pelo know-how adquirido através de décadas de prática a trabalhar em diversos locais onde ocorreram (e ocorrem) tragédias de várias naturezas e de tamanho incalculável envolvendo seres humanos.

É verdade que toda a ajuda pode fazer a diferença, mas fará muito mais se direcionada para organizações experientes, como as ONG​, e preferencialmente com donativos financeiros.

Existem várias nas quais podemos confiar sem receio que o que oferecemos de boa vontade não chegue ao destino.

Estão facilmente acessíveis à distância de um clique, como por exemplo a Unicef, a Médicos Sem Fronteiras, a Lions Club, a Cáritas, a Cruz Vermelha Internacional, a Save the Children, a ACNUR (Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados), a WPF (contra a fome).

E sublinho o que disse: “em qualquer catástrofe humanitária”. Porque no nosso planeta existem muitas, infelizmente. E as que não têm destaque nos meios de comunicação social e nas redes sociais, mas se arrastam há anos, não deixaram de existir só por não serem notícia.

A boa vontade humanitária que estamos a sentir coletivamente, despertada por uma guerra da qual temos receio, por se desenrolar na Europa, pode ser distribuída também por outros locais do mundo como o Afeganistão, o Iémen, a Síria, a Somália, onde morrem diariamente muitos inocentes. Nestes ou noutros países longínquos e de nome “esquisito”, vitimados pela miséria e pelas guerras.

Se apoiarmos as ONG, estas poderão distribuir equitativamente os recursos, privilegiando os mais carenciados.

As ONG não olham à cor da pele, à crença ou à ideologia política.

Somos ou não todos nós pessoas, com o mesmo direito à vida?

Umas palavras de reflexão sobre o acolhimento aos refugiados ucranianos, que se avizinha: sejamos voluntários, dentro da nossa disponibilidade e vontade de ajudar também nessa fase que se aproxima, mas de forma planeada e com a necessária ponderação.

Admiro desmedidamente quem adota crianças (conheço vários pais que o fizeram), mas uma criança órfã, traumatizada pela guerra, necessita de um carinho sem limites, implicando muito tempo e paciência para sarar as suas feridas psicológicas. Um acolhimento pode ser temporário, mas uma adoção é para a vida.

É inevitável: o nosso coração acelera mais, involuntariamente, quando pensamos nos que nos são mais queridos — faz parte da essência humana.

E, por isso também, importa analisar o que estamos a fazer para frenar as consequências psicológicas nas nossas crianças e adolescentes, fruto do excesso de imagens violentas desta guerra indesejada, que entram em nossas casas ininterruptamente, vindas de várias fontes.

É fundamental explicar o que se está a passar, e não esconder, com linguagem adequada conforme as idades.

Mas esta inundação sensorial por imagens demasiado chocantes tem um efeito muito lesivo na convalescença da estabilidade emocional da geração futura, já por si demasiado insegura e angustiada após a travessia de dois longos anos de pandemia em que predominaram os sentimentos de medo e incerteza.

Se em vez de agirmos impulsivamente, escolhermos com ponderação qual a forma mais sensata de ajudar, seja em nossas casas, a minimizar o impacto de imagens violentas nos que estão a nosso cuidado, seja a fazer donativos a ONG, podemos contribuir de forma mais eficaz para o bem comum.

E, quem sabe, regresse a esperança em deixarmos como legado para a geração futura da Humanidade a palavra Paz, escrita na história do mundo em vez de sonhada apenas como mera utopia.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990


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