Jamala, de vencedora da Eurovisão a refugiada da guerra

A artista ucraniana que venceu o festival, em 2016, com uma canção sobre a deportação dos tártaros da Crimeia, entre os quais estava a sua bisavó, viu-se forçada a abandonar o país com os dois filhos após a invasão russa.

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Jamala venceu o Festival Eurovisão da Canção em 2016 AFP PHOTO / JONATHAN NACKSTRAND

Em 2016, a cantora ucraniana Jamala venceu o Festival Eurovisão da Canção com uma música sobre a deportação dos tártaros da Crimeia, em 1944 (o ano serviu de título ao tema). Então, cerca de 200 mil tártaros, acusados por Estaline de conspirarem com os nazis, foram deportados dessa região da União Soviética para a Sibéria — milhares morreram. A história parece repetir-se e, agora, a cantora e os filhos juntam-se aos milhares de cidadãos que abandonam a Ucrânia, pelas fronteiras terrestres, para fugir à invasão russa.

Depois de cinco dias de viagem, a artista conseguiu sair do país a pé com os dois filhos. Crê-se que esteja em Istambul, Turquia, de onde falou aos mais de 900 mil seguidores que reúne no Instagram prometendo estar em segurança e agradecendo todo o apoio.

O último balanço feito pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), esta terça-feira, dava conta que, nos primeiros seis dias de guerra, mais de 660 mil pessoas cruzaram as fronteiras terrestres da Ucrânia. No primeiro dia da invasão, a cantora partilhou um vídeo onde dizia que iria permanecer no país, enquanto fosse possível. Com o adensar da situação e e as tentativas das tropas russas para invadir Kiev, a artista decidiu abandonar o apartamento da família, em direcção à fronteira, deixando para trás o marido — os homens ucranianos entre os 18 e os 60 anos não estão autorizados a sair.

A viagem começou na noite de 24 de Fevereiro e, durante quatro dias, Jamala percorreu os 170 quilómetros que separam a sua casa da fronteira, num percurso repleto de paragens, em virtude das filas de carros com pessoas que, à sua semelhança, tentavam sair do país. “Dois quilómetros em quatro horas —​ foi quanto andámos”, relatava a cantora, no Instagram. “Quero acordar e ouvir que isto foi só um filme”, escreveu, ainda.

“Acredito no nosso Presidente, no nosso Exército, nos nossos homens e mulheres fortes e corajosos. Nós vamos conseguir! A Ucrânia não será derrotada!”, incentivou, na mesma publicação. Lamentava, ainda, a possibilidade de a Bielorrússia, o país que a terá deixado passar a fronteira, vir a juntar-se à guerra, como apoiante da Rússia ─ o que se viria a confirmar.

Entretanto, avançam outros meios de comunicação social, a cantora, cujo nome é Susana Alimivna Jamaladinova, terá conseguido chegar à Roménia, onde a esperavam familiares que a levaram à Turquia. Jamala deu uma entrevista à emissora nacional israelita, Kan, onde confirmou estar em Istambul com a irmã. Conta que ainda tentou ficar na zona de Tchernobil, mas confessa que estava com medo de se tornar um alvo para Putin, por ser conhecida.

Para terminar, a cantora agradeceu ao Festival Eurovisão da Canção a decisão de retirar a Rússia da competição. “Vai certamente significar alguma coisa”, considerou, chamando, no entanto, a atenção para o facto de estas sanções não são suficientes.

Em 2016, Jamala venceu o festival da canção com a canção 1944, em que recordava os acontecimentos pelos quais passou a sua bisavó Nazalhkhan e as centenas de milhares de tártaros da Crimeia que nunca mais puderam voltar a sua casa. “Quando os estranhos estão a vir… / Eles entram em vossa casa / Matam-vos a todos / e dizem, / Não somos culpados”, ouve-se Jamala cantar na música vencedora, que poderia ter sido escrita em 2022.

“Preferia que todas estas coisas terríveis não tivessem acontecido à minha bisavó. Preferia que esta música não existisse”, disse, então, a cantora na conferência de imprensa que se seguiu ao festival, realizado na Suécia. A bisavó de Jamala foi sozinha com os quatros filhos e uma filha, enquanto o marido estava a lutar ao lado do Exército soviético contra os nazis. Na viagem, a filha morreu, a família nunca mais regressou à Crimeia. Já a cantora espera voltar em breve a Kiev, para junto do marido.

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