Solidariedade sem fronteiras - Estudantes sírios apelam ao acolhimento de estudantes ucranianos

Vimos apelar a Portugal, à nossa Plataforma, criada pelo Presidente Sampaio, e a todos os que a apoiam para que lancem sem tardar um programa de bolsas de estudos de emergência para os estudantes que frequentavam as universidades na Ucrânia. Queremos fazer por eles o que fizeram por nós.


Há precisamente oito anos, na madrugada de 1 de Março, chegava a Lisboa um avião militar em serviço humanitário com o primeiro grupo de estudantes sírios que foi acolhido em Portugal, graças a uma iniciativa absolutamente inédita e muito à frente do Presidente Jorge Sampaio. Desde então, muitos outros grupos de colegas nossos foram acolhidos nas universidades e politécnicos portugueses.

Hoje, em 2022, muitos de nós já completámos os nossos estudos, outros estão ainda a acabar. Dos que se formaram em Portugal, a grande maioria já está a trabalhar e todos estamos bem inseridos na sociedade portuguesa. Já há famílias luso-sírias e alguns de nós até já somos portugueses.

Agora que também a guerra estalou às portas da Europa, nós, estudantes sírios acolhidos no programa de bolsas de estudo de emergência, impulsionado pelo Presidente Jorge Sampaio a quem estaremos eternamente gratos pela sua visão, coragem e sentido forte de solidariedade, queremos testemunhar o quanto a sua iniciativa foi literalmente a única tábua de salvação que encontrámos para nos manter em vida, para continuarmos a ter razões de esperança no futuro, para dar ânimo às nossas famílias que ficaram para trás e acreditarem que, apesar da tragédia da guerra, havia ainda uma réstia de luz ao fundo do túnel. Aproveitamos assim para agradecer a todos quantos, aqui em Portugal, mas também no resto do mundo, se associaram a esta iniciativa e a tornaram possível, apoiando-nos no nosso percurso académico, ajudando-nos a recuperar do soco que as nossas vidas levaram com a eclosão da violência na Síria e que tantas vezes sentimos ao longo dos anos e que continuamos a sentir na pele, ao sabor das notícias que nos chegam da nossa terra que está longe de estar pacificada. Mas a verdade é que, para todos nós, a bolsa de estudos que recebemos foi verdadeiramente o ponto de viragem nas nossas vidas. Se estamos vivos e íntegros, foi graças a esta oportunidade única de podermos prosseguir a nossa educação.

Em tempo de violência, a educação oferece aos jovens um refúgio único, a educação protege-nos, a educação é um verdadeiro porto de abrigo. Da nossa experiência, sabemos também que as urgências não podem esperar. Num país em guerra, cada dia, semana, mês ou ano que passa sem que nada aconteça, sem perspectiva alguma, sem que se vislumbrem saídas de socorro, são machadadas nas nossas cabeças, como se um abismo se fosse sempre cavando mais à nossa volta e nos pusesse à beira de um precipício todas as noites, quando o desespero é ainda maior, corroendo a confiança, destruindo a nossa força anímica e matando aos poucos o poder das nossas convicções, valores e princípios.

Por isso, vimos apelar a Portugal, à nossa Plataforma, criada pelo Presidente Sampaio, e a todos os que a apoiam para que lancem sem tardar um programa de bolsas de estudos de emergência para os estudantes ucranianos, ou que frequentavam as universidades na Ucrânia, até porque sabemos que este país era muito procurado por estudantes internacionais de países mais pobres ou mesmo em conflito que aí encontravam a possibilidade de prosseguir a sua formação superior.

Nós estamos completamente dispostos a colaborar, nós queremos fazer por eles o que fizeram por nós. Nós serviremos de antenas da Plataforma nos sítios onde vivemos ou nas escolas que frequentamos para mobilizar os nossos colegas, professores e todos os que queiram colaborar. Desde já - e simbolicamente - vamos contribuir na medida das nossas possibilidades para o YES Fund que a Plataforma tinha já anunciado, mas cujo lançamento a pandemia tinha obrigado a adiar.

O YES Fund significa Youth Solidarity Fund (www.rrm-online.org) e baseia-se num princípio simples: se cada estudante, professor ou membro da comunidade académica contribuir com um euro que seja anualmente, como há mais de 240 milhões de estudantes a nível mundial, esta quantia estará disponível de imediato para estes programas de bolsas de estudo de emergência sempre haja uma crise. Esta iniciativa pretende, e bem, ser global, mas tem de começar em algum lado. E, por isso, será aqui em Portugal, com o nosso impulso e adesão, que o YES Fund vai começar a funcionar. Nós vamos iniciar este fundo, dando um contributo que será modesto, sem dúvida, mas que será forte em simbolismo e inequívoco da nossa solidariedade. Nós queremos que outros colegas, que também passaram ou estão a passar por estas situações de violência e de emergência humanitária, possam ter a mesma oportunidade que tivemos. Por isso, queremos apelar aos nossos colegas, professores, cientistas, investigadores e amigos para que se mobilizem e convoquem todas as vossas redes para que rapidamente o YES Fund se estenda a toda a sociedade aqui em Portugal, mas também a outros países.

Tal como em 2014 o primeiro grupo de estudantes sírios foi acolhido em Portugal, queremos agora acolher, todos juntos, o mais rapidamente possível, o primeiro grupo de estudantes ucranianos ou que estavam a estudar ali e que não têm para onde regressar. O segundo semestre deste ano lectivo está a começar, é o momento certo para chegarem. Em conjunto, unidos e determinados, saberemos acender o calor da esperança nos seus corações destroçados. Saberemos mostrar que a comunidade académica sabe dizer “presente” e responder às emergências humanitárias da forma que lhe é mais natural e própria: abrindo as portas do conhecimento, da ciência e do saber e acolhendo os estudantes escorraçados pela guerra e que procuram um porto de abrigo. Colegas e amigos, as urgências não esperam. Vamos a isto!

Alaa K, Alaa J., Amirah, Anas, Arwa, Azzam, Bader, Bushra, Ezaldeen, Katia, Kais, Ghadir, Hassan, Helen, Ibraheem, Maher, Mahmoud, Mohammad, Ouwais, Rahaf, Rana, Rand, Reem, Rima, Salma, Shadi, Sham, Tala, Tarek S., Walaa W., Walaa K., entre muitos outros estudantes Sírios, bolseiros da Plataforma Global para o Ensino Superior nas Emergências (antiga Plataforma Global para Estudantes Sírios)

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