Conflito na Ucrânia terá impacto na relevância de África na ordem mundial, dizem especialistas

Especialistas vêem a guerra na Ucrânia como uma oportunidade de estreitar os laços entre a Africa e a Europa, bem como de os países africanos começarem a fazer-se ouvir nas relações internacionais.

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Especialistas vêem a guerra na Ucrânia como uma oportunidade para África ter um maior papel nas relações internacionais Reuters/TIKSA NEGERI

A guerra na Ucrânia está a mudar a ordem mundial rapidamente, o que poderá ter impacto na relevância de África no panorama global, concordaram esta segunda-feira vários especialistas, que sublinharam que os blocos europeu e africano têm interesse no multilateralismo.

“O impacto que [a guerra na Ucrânia] tem nas relações internacionais existentes não pode ser subestimado”, disse Ottilia Maunganidze, do Instituto de Estudos de Segurança (ISS, na sigla em inglês), num debate por videoconferência sobre a cimeira deste mês entre a União Europeia e a União Africana, que foi organizado pelo Clube de Lisboa e contou com a colaboração do Instituto Marquês de Valle Flor (IMVF) e da Câmara Municipal de Lisboa.

O director executivo do Clube de Lisboa, Fernando Jorge Cardoso, disse, por seu lado, que o mundo está a viver “uma mudança muito, muito rápida”. “Estamos a testemunhar o fim da ordem global que veio depois da guerra fria, estamos a entrar numa nova era, em que África tem um papel”, vaticinou.

O especialista em desenvolvimento e estudos africanos afirmou que, neste momento de mudança, “há uma janela de oportunidade, por causa da guerra [na Ucrânia], em que os interesses [da União Europeia e de África] são os mesmos”.

Para o investigador do Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa, os dois blocos “concordam que precisam de um mundo multilateral e querem ter uma voz neste mundo que se está a criar contra o multilateralismo”. Maunganidze concordou que o multilateralismo é importante para África e Europa, mas lamentou que os dois blocos não tenham ainda uma relação de reciprocidade e lembrou que os países africanos têm um papel “no palco mundial, mas isto apenas se estiverem no menu” e não como actores iguais na discussão.

Para a analista, os países africanos apenas são ouvidos no panorama global sobre os assuntos de África, mas mostrou esperança de que isso possa mudar devido às alterações em curso nas relações internacionais.

“Por muito infeliz que a situação seja, esta abriu a porta à Europa para considerar a visão de África sobre conflitos internacionais que não acontecem [no continente]”, disse Maunganidze, acrescentando que “talvez consigamos construir uma relação de respeito mútuo entre a África e a Europa que reconheça o que cada um traz para a mesa, mesmo sobre os assuntos que não são no continente africano”.

A investigadora disse que a crise na Ucrânia que está a “reformular a ordem global” terá impacto na discussão (prevista para breve) sobre uma reforma do Conselho de Segurança da ONU, cujo tema é “Que melhor forma de ter uma conversa sobre o veto do que quando o agressor tem poder de vetar decisões?”.

Para a analista do instituto sediado em Pretória, este momento é relevante para África porque o continente tem 54 países, pelo que obter o seu apoio “sobre qualquer resolução na Assembleia Geral da ONU é quase uma garantia de sucesso” e será quase impossível obter dois terços dos votos naquele fórum sem os votos africanos.

“É preciso que a África comece a ver que não está na sala só para observar os outros países falar, mas que tem um voto igual e potencialmente forte em decisões como esta”, disse.

Lidet Tadesse, do Centro Europeu para o Desenvolvimento e Gestão de Políticas, lembrou, por sua vez, que “o descontentamento com o multilateralismo não se deve ao multipolarismo nem à guerra na Ucrânia, mas sim ao facto de muitos dos actores que estão nesse multilateralismo - incluindo africanos - sentirem que fazem parte do sistema mas que não estão representados.

“As Nações Unidas têm de parecer mais uma parceria e o Conselho de Segurança tem de se adaptar à forma como o poder está distribuído”, defendeu a investigadora, sublinhando que “os países africanos não podem beneficiar se não fizerem parte do processo de decisão”.

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