UE endurece a resposta, mas líderes resistem à aplicação da “mãe de todas as sanções”

Um novo pacote de medidas restritivas pode ser aprovado nesta sexta-feira em Bruxelas, com mais sanções financeiras, nos sectores da energia e dos transportes, controlo das exportações e o financiamento e política de vistos. Medidas gravosas como a exclusão do sistema SWIFT ficaram para depois.

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O chanceler alemão, Olaf Scholz, à chegada à reunião de emergência do Conselho Europeu John Thys/REUTERS

O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, já estimava que a reunião especial dos chefes de Estado e de governo da União Europeia, convocada ainda antes de Vladimir Putin dar a ordem para a invasão da Ucrânia, com o objectivo de expressar a unidade dos 27 num momento particularmente grave e sério para a estabilidade do continente, fosse “muito emotiva”, tendo em conta a forma como o tema “Rússia” toca tão profundamente vários Estados-membros.

Mas talvez não contasse que, à chegada para o encontro, os vários líderes mostrassem de uma forma tão clara e aberta como ainda estava longe o consenso sobre a prometida resposta sem precedentes da UE à agressão da Rússia — apesar da unanimidade na condenação veemente do ataque “cínico” e “horrendo” que abalou inapelavelmente a segurança e estabilidade da Europa.

Com o Presidente da Ucrânia, Volodimir Zelensky, a repetir em directo e ao vivo para a sala de reuniões o seu apelo para a UE e os aliados Estados Unidos, Reino Unido, Japão ou Coreia do Sul concertarem entre si um novo pacote de medidas drásticas e brutais contra a Rússia, bloqueando todas as exportações que alimentam o complexo económico-militar do país, desligando o país do sistema SWIFT de pagamentos internacionais, e isolando a clique de oligarcas que sustêm o poder de Putin, percebiam-se alguns sinais de hesitação para aplicar a chamada “mãe de todas as sanções”.

À entrada para a reunião, todos concordavam que um processo político para resolver a crise é, nesta altura, impossível: o diálogo com Vladimir Putin, que mentiu a todos os líderes europeus com quem conversou, e rasgou todos os tratados e acordos que assinou, está totalmente fora de questão. “A única solução que temos agora são as sanções”, reconhecia o primeiro-ministro do Luxemburgo, Xavier Bettel. “Mas é verdade que podem demorar semanas ou meses a produzir efeito”, acrescentou. Logo pela manhã, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, tinha dito que as medidas restritivas que estavam a ser preparadas seriam as “mais fortes e devastadoras que alguma vez implementámos”.

Mas quando os líderes europeus entraram no Conselho, a Comissão e o seu Serviço de Acção Externa ainda não tinham a nova lista de medidas restritivas fechada, nem concluídos os textos jurídicos que as sustentam: o alcance e impacto da retaliação europeia estava dependente das orientações políticas do Conselho Europeu. “Não podemos ser só um clube de discussão, temos de agir e de tomar decisões”, pressionou o primeiro-ministro da Letónia, Gitanas Nauséda, o primeiro a dar conta do incómodo com a hipótese de a UE não avançar já com a máxima força das sanções, para continuar a guardar trunfos para jogar no caso de a situação no terreno se agravar.

Essa foi a tese que a UE seguiu na preparação do primeiro pacote de sanções, desenhadas após o reconhecimento por Putin da independência das auto-proclamadas repúblicas separatistas de Lugansk e Donetsk, e aprovadas 24 horas antes. “Agora temos de acordar sanções mais fortes, que tenham um efeito dissuasor mas também um forte efeito punitivo. Se não enfraquecermos o nosso adversário, ele vai continuar a atacar”, defendeu a primeira-ministra da Estónia, Kaja Kallas. “O Governo russo tem mesmo de sentir que o preço pelas suas acções é muito significativo. Desta vez não pode acontecer o mesmo que aconteceu depois da Geórgia e da Crimeia”, concordou o seu homólogo da Eslovénia, Janez Jansa.

“Já chega de conversa fiada, temos de sair daqui com sanções maciças contra a Rússia. Há pessoas a morrer neste momento”, impacientou-se o primeiro-ministro da Polónia, Mateusz Morawiecki, que durante o dia viu centenas de ucranianos entrar no seu país para escapar às bombas russas. “Não podemos continuar a comprar petróleo e gás à Rússia, não podemos aceitar que o Presidente Putin continue a beneficiar do nosso dinheiro…”, afirmou.

As vozes que concordavam em avançar já com todas as medidas pedidas pela Ucrânia foram-se repetindo até à entrada do chanceler da Alemanha — que foi quem assumiu, unilateralmente, a medida mais dura contra a Rússia, ao suspender a certificação do gasoduto Nord Stream 2. Questionado pelos jornalistas se defendia, como os seus colegas, que a Rússia fosse já excluída do sistema de pagamentos internacionais SWIFT, o líder germânico mostrou-se cauteloso. “Creio que seria importante continuarmos a guardar algumas munições para usar se a evolução da situação revelar essa necessidade”, afirmou, usando o mesmo argumento que justificou as medidas mais mitigadas incluídas no primeiro pacote de sanções.

“Não vale a pena estarmos com grandes declarações. O que a UE precisa de fazer não é ladrar, é morder”, contrapôs o primeiro-ministro da Bélgica, Alexander De Croo, que não conseguia entender a lógica de anunciar já um terceiro pacote de sanções para o caso de o segundo não chegar. “Vamo-nos guardar para quê? O que é que ainda pode ser pior do que isto?”, questionava-se.“Temos uma potência nuclear a lançar um ataque brutal contra um país vizinho, e a ameaçar todos aqueles que forem apoiar. Não há nada mais grave”, concordava Josep Borrell.

O Alto Representante obteve o acordo dos líderes para alargar as medidas restritivas da UE. Nas conclusões que foram adoptadas menos de uma hora depois do início do encontro, os 27 dão “luz verde” a novas sanções que “abrangem o sector financeiro, os sectores da energia e dos transportes, os bens de dupla utilização, bem como o controlo das exportações e o financiamento das exportações, a política de vistos, listas adicionais de indivíduos russos e novos critérios para essa listagem”. Um parágrafo que revela a complexidade do novo pacote de sanções, mas que pouco concretiza — a discussão é retomada esta sexta-feira, pelos ministros dos Negócios Estrangeiros, numa nova reunião extraordinária no Conselho da UE.

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Perspectiva europeia para a Ucrânia

As sanções concentraram as atenções do Conselho Europeu, mas na discussão sobre o apoio da UE à Ucrânia houve quem apontasse para outros pedidos vindos de Kiev. “Temos de dar uma verdadeira perspectiva europeia à Ucrânia”, defendeu Janez Jansa, referindo-se às aspirações do país de integrar o clube (e também de aderir à NATO). “Devíamos seguir a mesma abordagem que temos em relação ao alargamento aos Balcãs, e não continuar a arrastar isto por anos”, sublinhou, dizendo que os últimos desenvolvimentos deviam ensinar uma lição à UE: “Se nós não integramos estes países, alguém tentará fazê-lo.”

“Temos de dar o sinal que a porta da UE não está fechada, e que a porta da NATO não está fechada”, concordou Kaja Kallas. Numa conferência de imprensa conjunta no quartel-general da NATO, ao início da tarde, o secretário-geral, Jens Stoltenberg, e a presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, confirmaram a sua abertura, mas sem assumir compromissos concretos.

“Há um processo para aderir à UE, e estamos a trabalhar em conjunto há muitos anos. Já avançámos muito, a Ucrânia fez progressos substanciais para se aproximar da UE”, recordou Von der Leyen. “Todos nós apoiamos as aspirações da Ucrânia de uma integração mais profunda na comunidade euro-atlântica, nomeadamente através da adesão” à aliança, acrescentou Stoltenberg. “Deixámos isso claro em Bucareste em 2008, e temos dito repetidamente desde então que todas as nações têm o direito de escolher o seu próprio caminho”, prosseguiu. “E se a Ucrânia decidir que é esse o caminho, os 30 aliados decidirão sobre a sua adesão, quando houver condições para isso”, rematou.

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