Apoiantes ou críticos, russos foram apanhados de surpresa pela guerra

Uma sondagem da CNN divulgada horas antes do anúncio de Vladimir Putin, na quarta-feira, mostrava que poucos acreditavam num conflito armado. Houve protestos em algumas das principais cidades e mais de 1000 detenções, mas a generalidade da opinião pública culpa a NATO por este desfecho.

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A polícia russa fez detenções em protestos organizados contra a guerra EPA/ANATOLY MALTSEV

Tal como o resto do mundo, a Rússia acordou esta quinta-feira com uma invasão à Ucrânia já a decorrer. E embora os estudos de opinião feitos nos últimos meses mostrem que a maioria da população apoia, ou pelo menos não discorda, de uma intervenção militar, a decisão de Vladimir Putin não passou sem protestos nas ruas e nas redes sociais. Em cidades como São Petersburgo, Moscovo e Ekaterinburg, algumas dezenas de pessoas manifestaram-se contra a guerra, apesar de a polícia e o Ministério Público terem emitido alertas de que os protestos não estavam autorizados.

Ao início da noite na Rússia (fim da tarde em Portugal), a OVD-info, uma ONG que monitoriza a actuação policial, contabilizava “mais de 1191” detenções em 48 cidades. Em Moscovo havia “pelo menos 173 detidos”, em São Petersburgo eram “pelo menos 89”. De manhã, a jornalista e activista da oposição Marina Litvinovich apelou aos russos que se manifestassem contra “o ataque de Putin contra o povo amigo da Ucrânia”. Pouco depois foi detida.

Não foram só anónimos que tomaram posição. Várias figuras públicas russas, como o apresentador de televisão Maksim Galkin ou os músicos Valery Meladze e Zemfira Ramazanova, bastante conhecidas e populares, transmitiram mensagens contra a guerra nas suas redes sociais. O jornal da oposição The Insider reuniu mais uma vintena de opiniões junto de músicos, desportistas, realizadores, jornalistas e professores universitários.

Num gesto raro, o jornal independente Novaya Gazeta afirmou num editorial em vídeo que é contra a invasão russa da Ucrânia. “Sentimos pesar e vergonha”, declarou Dmitry Muratov, jornalista e Nobel da Paz em 2021. “Nunca reconheceremos a Ucrânia como inimiga nem a língua ucraniana como uma língua inimiga”, disse também, anunciando que a próxima edição do jornal sairá publicado em dois idiomas: russo e ucraniano. “Apenas o movimento anti-guerra dos russos poderá salvar a vida neste planeta”, dramatizou Muratov.

Mas se os meios de comunicação independentes relatavam os protestos e o espanto generalizado dos russos com o início da guerra, também mostravam que a surpresa não era inteiramente negativa. A Radio Free Europe encontrou uma mulher em Rostov-on-Don, perto da fronteira com a Ucrânia, que afirmou “ver a guerra negativamente, em geral”, para depois acrescentar: “Uma vez que eles nos forçaram, penso que o nosso Presidente está a fazer tudo correctamente.” Também o The Moscow Times relatou entrevistas de rua semelhantes. “Isto não é uma situação entre a Ucrânia e a Rússia. Isto tem a ver com a América. Os líderes em Washington começaram isto ao provocar a Rússia”, declarou ao jornal uma moscovita.

A opinião bate certo com o que as sondagens mais recentes vinham apontando. Um estudo do centro de inquéritos Levada, divulgado em meados de Dezembro, concluiu que 50% dos entrevistados (russos) culpavam os Estados Unidos e a NATO pelo agravamento da situação no leste da Ucrânia. O Estado ucraniano era responsabilizado por 16% dos inquiridos, enquanto a Rússia era responsabilizada por 4%.

Na quarta-feira, horas antes de Putin anunciar a acção militar, a CNN divulgava outra sondagem segundo a qual 50% dos inquiridos de nacionalidade russa consideravam aceitável usar a força “para prevenir a entrada da Ucrânia na NATO”, enquanto 36% admitiam esse cenário “para reunificar a Rússia e a Ucrânia”. Ainda segundo este estudo, apenas 13% dos entrevistados russos acreditavam numa invasão da Ucrânia e 65% apostavam num fim pacífico para o conflito.

“Hoje assistimos ao começo da quarta era da política externa russa”, escreveu Sergei Karaganov no site do Russia Today, canal televisivo financiado pelo Kremlin. Num longo texto, o presidente do Conselho para a Política Externa e de Defesa da Rússia argumentou que esta é a era da “destruição construtiva” que pretende lançar as bases “para um novo tipo de relações entre a Rússia e o Ocidente, diferente daquela que foi construída nos anos 1990”.

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