A decência para a monodocência: Será desta, dr. António Costa?

Afinal de que se está falar quando identificamos uma discriminação laboral dos professores em monodocência?

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Adriano Miranda/Arquivo

Estávamos no dia 8 de Junho de 2017. No debate quinzenal na Assembleia da República, António Costa fez história ao ser o primeiro político, e no caso enquanto primeiro-ministro, a falar de uma situação de enorme injustiça social que é a da discriminação laboral dos professores em monodocência. Quando questionado sobre as reformas antecipadas para este grupo específico de professores, disse à época: “Relativamente à idade de reforma, como sabe, aquilo que é entendimento pacífico é que não deve haver alterações nessa idade, deve haver sim, uma alteração e criar condições, para que possa haver um conteúdo funcional distinto, em particular, relativamente àquelas situações onde há efectivamente discriminação, que tem a ver com situações de monodocência que não beneficiam de redução de horário.”

Recordo-me que na época esta intervenção tornou-se viral nas redes sociais, pelo facto de em primeiro lugar se tratar de um reconhecimento público daquilo que muitos, que têm a obrigação de nos defender, insistem em não valorizar; em segundo por ser inédita; e em terceiro por ter sido proferida pelo próprio primeiro-ministro.

Naquela altura, foi como ver uma pequena luz ao fundo do túnel. Mas o tema em voga era sobretudo a recuperação do tempo de serviço e por conseguinte foi nessa questão que os sindicatos se concentraram. Com o desfecho conhecido.

Sensivelmente dois anos depois, em 2019, na véspera de eleições, António Costa voltou a falar do mesmo numa entrevista ao Expresso. Referiu que queria falar de “factores fundamentais que são habitualmente pouco falados”, abordando a questão das “monodocências”: “Os educadores do 1.º ciclo não beneficiam das reduções de horários nem da carga de trabalho de que os outros professores beneficiam ao longo da vida.” Considerou que “seria altura para nos dedicarmos mais a temas que têm a ver com a vida dos professores, melhorando a qualidade do ensino.”

Mesmo considerando que esta legislatura terminou pelas razões que se conhecem, não houve indícios de que esta questão fosse trazida a debate pelo Governo.

Mas afinal de que se está falar quando identificamos uma discriminação laboral dos professores em monodocência?

Os professores do ensino básico e secundário regem-se pelo Estatuto da Carreira Docente (ECD). No entanto, com a alteração do regime especial de aposentação, que conferia aos professores em monodocência (educadores de infância e professores do 1.º ciclo) algum equilíbrio legislativo em relação aos seus colegas do 2.º, 3.º ciclos e secundário, estes ficaram numa situação de desvantagem. Passo a explicar.

O horário legal de um professor dos ciclos referidos é de 35 horas semanais, dividido em componente lectiva e componente não lectiva. Na base deste horário há logo uma disparidade. Enquanto os professores do 1.º ciclo têm 25 tempos lectivos semanais, os restantes têm 22. Acresce que no 1.º ciclo um tempo corresponde a 60 minutos e nos restantes corresponde a 45 minutos. Para agudizar a injustiça, temos o facto de os professores do 2.º, 3.º ciclo e secundário terem, ao longo da carreira, uma redução da carga horária lectiva em função da idade, algo que não se verifica nos professores monodocentes.

Concretizando, num horário completo do 2.º, 3.º ciclos e secundário são atribuídos 1100 minutos por semana, o que equivale a 18,3 horas lectivas. Num horário completo atribuído aos colegas em monodocência, são atribuídas 25 horas. Posto isto, por cada 120 minutos de trabalho em sala de aula efectuado pelos monodocentes os restantes colegas trabalham 90 minutos. Esta desigualdade está também patente na redução horária atribuída aos professores que acumulam as direcções de turma no 2.º, 3.º ciclos e secundário e que não é tida em conta no caso dos monodocentes que assumem as sete áreas curriculares. Em termos de medidas compensatórias para os monodocentes, previstas no ECD, encontra-se apenas, quando solicitada, a redução da componente lectiva, em cinco horas lectivas semanais aos monodocentes que completam 60 anos de idade (art.º 79, n.º 2).

Não é difícil perceber que esta medida é manifestamente insuficiente para compensar as desigualdades já descritas. Piora quando nesta redução de componente lectiva, mediante a interpretação de cada director, alguns colegas vêem-lhes ser atribuído trabalho lectivo ainda que não como titular de turma e outros não, aumentando ainda mais a desigualdade entre pares.

Tudo o que foi descrito é factual e finalmente começa a ser entendido como sendo uma realidade que terá de ser revista. Não bastam as boas intenções, há que agir em coerência entre aquilo que se diz e aquilo que se faz.

A verdade é que até há pouco tempo não se vislumbrava nenhum tipo mobilização sindical para resolver este problema que afecta milhares de professores. Foi preciso criar um movimento, Movimento de Professores em Monodocência, para que este tema começasse a ser considerado, ainda que por poucos sindicatos. É um princípio! Um princípio que gostaria que fosse o da resolução deste problema. Acredito que injustiças como estas não ajudam em nada na forma como toda a carreira é vista por quem em algum momento pensou em segui-la. Professores precisam-se? Então comecem por tratar bem quem já o é.

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