O que pedem os cidadãos para tornar a economia europeia “mais forte e mais justa”

Da harmonização fiscal ao RBI, são várias as propostas dos cidadãos. José Gusmão, eurodeputado, quer combate aos paraísos fiscais, enquanto o professor Paulo Vila Maior alerta para as dificuldades de aplicar políticas económicas em toda a Europa.

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Reuters/KAI PFAFFENBACH

A União Europeia (UE) pediu, os europeus responderam. Por esta altura, chovem ideias para reformar o projecto europeu devido à Conferência sobre o Futuro da Europa (CoFoE), seja através da plataforma online, criada para suscitar o debate; seja por intermédio dos quatro Painéis de Cidadãos, que reúnem 800 pessoas para elaborar recomendações para o futuro da UE.

A reflexão é abrangente e organizada por diferentes tópicos. Depois de abordar os valores europeus, a série editorial do PÚBLICO sobre a CoFoE entra agora no domínio económico. O que pretendem os cidadãos para criar uma “economia mais forte”, com mais “justiça social” e melhores empregos? Que dúvidas têm? As pretensões não ficam pelo domínio do abstracto e têm originado propostas concretas. Eis o que está em discussão:

Quais as indústrias estratégicas da UE?

Apesar de estarem definidas áreas prioritárias para a aplicação dos fundos comunitários, na plataforma online da CoFoE, o utilizador Thomas L. propõe a criação do selo “Futuro da Economia da UE”, destinado às empresas de “indústrias estratégicas” (como a inteligência artificial, biotecnologia ou as energias renováveis), que deveriam ter uma redução de 10% no imposto sobre o lucro.

A harmonização fiscal faz sentido?

Uma das propostas mais frequentes, sugerida por diferentes cidadãos, visa promover uma “harmonização fiscal” na UE, para terminar com a concorrência fiscal entre países. Há ainda quem defenda que esses impostos sejam cobrados directamente pela Comissão, para que exista um orçamento próprio da UE, independentemente das vontades e da situação económica de cada país.

É preciso mudar as regras de governação económica?

Há vida “para além do PIB”, defendem vários cidadãos, que propõem que a avaliação económica dos países considere, também, “indicadores de bem-estar social”.

Ao PÚBLICO, o eurodeputado José Gusmão defende também a necessidade de alterar as regras de governação económica da União porque estas são “incapazes de responder a crises” — como se nota pela suspensão das exigências orçamentais em “momentos mais difíceis”. Para o deputado eleito pelo BE, o cálculo do défice (que não pode ultrapassar os 3%) devia “aplicar-se única e exclusivamente à despesa corrente” e “excluir a despesa de investimento”.

E um Rendimento Básico Incondicional (RBI)?

A discussão sobre o RBI tem marcado o debate político em várias nações e também há quem o queira em vigor na UE. O utilizador Ronald Blaschke evoca a mega-petição europeia (que começou a recolher assinaturas em 2020 e que só vai terminar a 25 de Junho de 2022), que pretende criação de um subsídio atribuído de forma regular, incondicional e universal a todos os cidadãos da União.

Como criar uma Europa mais justa?

O cidadão Teun Janssen propõe criar à escala europeia um fundo no estilo do famoso Fundo de Pensões da Noruega, o maior fundo soberano do mundo. Tomando o exemplo da iniciativa norueguesa, que guardou parte dos lucros do petróleo para as gerações futuras, a ideia passa por criar um fundo europeu destinado a promover “investimentos estratégicos” e financiado com impostos sobre o digital e sobre os níveis de carbono.

Como assegurar a justiça fiscal?

Uma preocupação comum a vários cidadãos é o combate aos paraísos fiscais, dentro e fora da União. Combate este que tem sido adiado pela inércia do Conselho Europeu, uma vez que, como lembra José Gusmão, a legislação fiscal ao nível europeu precisa da unanimidade para ser aprovada no órgão.

Ora, a unanimidade é um feito difícil quando existem países como o Luxemburgo, a Irlanda ou a Holanda determinados a travar todas as medidas “que visem combater que Estados roubem a receita fiscal de outros Estados-membros”. “Defendemos que na tributação de rendimentos de capital passe a funcionar a regra da maioria qualificada”, advoga o bloquista.

Que lugar para o Banco Central Europeu (BCE)?

Para o eurodeputado do BE, é preciso reforçar o papel do BCE, que actualmente “funciona um leque de instrumentos muito mais pobres do que a generalidade dos bancos centrais” do mundo.

Só uma “obsessão ideológica”, defende Gusmão, impede uma alteração dos estatutos para permitir ao BCE “apoiar directamente o financiamento dos Estados”: “a crise das dívidas soberanas poderia acabar de um momento para o outro”, afirma, ressalvando, contudo, que também é urgente tornar “mais escrutinável” a acção do banco.

É preciso mudar os tratados?

A proposta de José Gusmão implica uma revisão dos tratados e, apesar de não existir um consenso declarado entre as forças políticas europeias sobre o assunto, o professor universitário Paulo Vila Maior lembra que o último tratado, o de Lisboa, cumpre 15 anos em 2022. “Talvez faça sentido começarmos a pensar numa revisão dos tratados”, defende o especialista em assuntos europeus, apontando a necessidade de “imprimir mais velocidade” à “integração política”.

Um salário mínimo europeu faz sentido?

A sugestão esbarra na “diferença irreconciliável” entre o “desejável e o “possível” para Paulo Vila Maior, que a compreende no “plano ideal e utópico”, mas que diz ser de “muito difícil” concretização devido às “grandes diferenças” que existem nos “níveis médios de rendimento” nos vários países. “É um dos bons exemplos, o do salário mínimo europeu, onde existe diferença muito grande entre o ser desejável e o ser possível”.

As políticas económicas devem ser pensadas para toda a UE?

A questão é complexa. O professor da Universidade Fernando Pessoa é reticente: quer devido à grande “heterogeneidade” entre países, quer porque existem áreas de governação “estritamente nacionais”. “Quando pensamos em promover a igualdade ao nível europeu, julgo que a discussão está contaminada pelas desigualdades e pelas diferentes tradições ao nível de políticas sociais e de políticas de rendimento”.

Também por isso, Paulo Vila Maior alerta para o “excesso de voluntarismo” que resulta da “enxurrada de medidas” provenientes da COFOE. “Corremos o risco de, por excesso de ambição, estarmos a esgotar a utilidade deste processo”.


Este artigo faz parte do projecto A Europa que Queremos, apoiado pela União Europeia.

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