Se o PS teimar em não recentrar a escola

É irrefutável que a escola pública portuguesa é governada por políticas da direita quase radical que falharam redondamente e que “negaram” os progressos alcançados no século XX.

Há cerca de uma década que se percebe no Ocidente que a falta de professores será estrutural. As políticas educativas aplicadas vinte anos antes foram fatais. Traduziram-se na redução paulatina dos orçamentos da Educação através das “Novas Políticas de Gestão Pública” (iniciadas por Thatcher e Reagan e continuadas por Clinton, Blair, e Schröder) renovadas nas recentes projecções da OCDE e do Fórum Económico Mundial para a redução de professores na transição digital em paralelo com a sua “uberização”. Aliás, Portugal já entrou nesse universo: mão de obra ainda mais precária é a resposta para a crescente falta de professores.

E é fundamental recuar no tempo para se discutir o fenómeno.

Antes do mais, é inquestionável o progresso da nossa escolaridade em democracia. Se os resultados em educação aparecem ao fim de duas décadas, a geração mais certificada da história é consequência do que se fez até ao final do século XX, nomeadamente a equilibrada organização da escola pública, e a acção dos seus professores, e o avanço do nosso índice de desenvolvimento humano.

Se agora assistimos ao aumento das desigualdades educativas e à falta estrutural de professores, devemos procurar respostas nas políticas perseguidas pelos governos do século XXI.

O “país de tanga” de Durão Barroso vivia acima das possibilidades em grande parte por culpa dos funcionários públicos. A narrativa oficial decretou que não podiam continuar a progredir sem mérito, com os professores na linha da frente, porque esse imobilismo impedia as elites financeiras e bancárias, blindadas moralmente pela responsabilidade, de elevar o país e aplicar as reformas em curso nos EUA e Reino Unido. Nesse clima e como caricatura, o ministro da Educação desse Governo, David Justino, declarou em 2004 “que só não contratava pessoas como João Rendeiro, do BPP, para dirigir as escolas porque não tinha dinheiro para lhes pagar”.

Seguiu-se o Governo da altivez, de José Sócrates, que finalmente avaliaria os professores. Instituiu-se um ambiente de desconfiança (e daí o inferno burocrático) e de quebra da solidariedade através de três instrumentos nucleares da profissionalidade dos professores e da igualdade de oportunidades: estatuto da carreira, gestão escolar e avaliação do desempenho. O próprio António Costa declarou, em 2015 na SICN e em pré-campanha eleitoral: “Os professores foram vítimas de uma guerra injusta, que prometo que não se repetirá, decretada num Conselho de Ministros de que fiz parte em 2006”. Aliás, os seus governos repuseram os salários que o Governo de Passos Coelho - que alguém classificou de “genocídio social” - retirou à generalidade da população.

Após dois anos de pandemia, António Costa tem agora uma segunda oportunidade de desenhar o futuro. E é bom recordar que o topo da carreira dos professores foi a falácia mais mediatizada no que levamos de milénio, omitindo-se que se situava, e situa, no 57.º lugar dos 115 índices remuneratórios da administração pública. E sublinhe-se que esse patamar é inacessível para a maioria dos professores que ainda continuam com tempo de serviço por recuperar, e bloqueados em quotas e vagas, factos que a mediatização parece ter agora percebido.

É, portanto, irrefutável que a escola pública portuguesa é governada por políticas da direita quase radical que falharam redondamente e que “negaram” os progressos alcançados no século XX. É também evidente que os imutáveis três instrumentos referidos - estatuto da carreira, gestão das escolas (agravada com impensados agrupamentos) e avaliação dos professores - são responsáveis pela fuga a ser professor. Para além disso, a redução de professores “prometida” pela digitalização não só tarda em acontecer como agrava as desigualdades educativas. Aliás, percebe-se uma dicotomia eloquente: enquanto nas escolas das elites o tempo está suspenso, a atitude perante o conhecimento é clássica, as turmas não são numerosas e o digital é um auxiliar usado com critério, nas escolas das restantes classes os conteúdos digitais são massificados e as turmas numerosas.

Conclui-se que é imperativo recentrar as políticas educativas. Por exemplo, Olaf Scholz, o novo chanceler da Alemanha, já sente o aumento brutal das desigualdades educativas e da falta estrutural de professores que atingiu primeiro os EUA e o Reino Unido. Defende as teses de Daniel Markovits e Michael Sandel muito críticas da meritocracia. Sabe que a armadilha meritocrática bloqueou o elevador social. O investimento financeiro conta mais do que o talento e o esforço e criou um fosso crescente entre as elites e as restantes classes que resultou na polarização política que expôs os votos dos excluídos a demagogos autoritários. Há um contraditório que teme pela recuperação de modelos totalitários de esquerda onde, diz-se, não existia meritocracia. É falso. Havia meritocracia. Só que nesses regimes o investimento financeiro foi trocado pela ascensão no partido único com os resultados que também se conhece.

Não se trata, portanto, de buscar receitas antigas. Trata-se, desde logo e antes que seja demasiado tarde, de reequilibrar, redistribuir melhor, investir na educação pública, democratizar o ambiente escolar e olhar para o futuro com as lentes do optimismo e da não desistência. Seria um perigo para a democracia se o PS teimar em não recentrar a escola.

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