A moda das FinTech está a desaparecer. Vida longa à DeFi

Há anos que se fala da revolução das FinTech – combinação de Tecnologia com Serviços Financeiros. Essa revolução aconteceu mas não passou de uma digitalização dos processos tradicionais do sector financeiro, aqui e ali com algum complemento atrevido. A verdadeira revolução financeira está a chegar e chama-se DeFi (Decentralised Finance).

DeFi é a designação da nova geração de sistemas financeiros que é o próximo passo da evolução, a médio prazo, dos sistemas atualmente utilizados - a TradFi (Traditional Finance).

A DeFi tem a característica principal de não recorrer a intervenientes centrais e oferecer por isso uma gestão de pessoa para pessoa (peer-to-peer), ou de entidade para entidade, em detrimento de uma gestão assegurada por entidades centrais. Não significa isto que seja ilegal ou não regulada.

Numa lógica de cliente final (tipicamente, quem lê estas linhas), as oportunidades que advêm da tecnologia de DeFi podem resumir-se em três grandes áreas partilhadas com a TradFi e que se materializam em novas formas de rendimento (yield farming), em especial, depósitos remunerados e créditos, liquidez de mercado de câmbio (liquidity pools) e disponibilidade de mercado para validação tecnológica do sistema (staking).

Compreender o potencial e dimensão atual do mercado de DeFi é um choque para quem ainda só conhece a realidade de TradFi, um choque pela natureza estrutural e de governo deste novo sistema financeiro e um choque porque falamos de mercados que valem, segundo a Bloomberg, mais de 100 mil milhões de dólares, e que são organizados através de linhas de código de programação e dos já discutidos contratos-inteligentes (smart contracts).

Os desafios de migração de TradFi para DeFi são enormes, e não são apenas tecnológicos. A tecnologia tem andado a uma velocidade muito superior à legislação e regulação que agora correm atrás do prejuízo para tentar sistematizar um movimento já enorme, com implicações fiscais complexas, não cobertura de seguros de crédito pelos meios convencionais e suscetível de fragilidades de segurança mal conhecidas. A tecnologia foi tão rápida que a evolução dos próprios conceitos financeiros obriga a uma recalibração mental e de nomenclatura de todo o ecossistema. O que era verdade no mundo de TradFi deixa de ser e transforma-se abruptamente, num impercetível piscar de olhos.

A introdução de clientes institucionais, que se obrigam a cumprir requisitos legais e regulamentares, está a forçar a tecnologia totalmente aberta de DeFi a encontrar um ponto intermédio de equilíbrio que permita, por exemplo, conhecer na totalidade todas as partes envolvidas nos processos (KYC – know your customer), garantir segurança e controlo das operações através, por exemplo, de fornecedores de custódia (garantia da existência e segurança de fundos), garantir a capacidade de auditar o sistema, em especial os contratos-inteligentes que o regem e, por fim, assegurar que tecnologicamente o sistema está disponível e mantém os seus serviços sempre acessíveis.

A DeFi tem evoluído a uma velocidade e intensidade impensáveis, mas para garantir a confiança sistémica e segurança que hoje temos em TradFi é preciso eliminar ainda fragilidades relacionadas com possível fraude, equilibrar a extrema volatilidade dos mercados para garantir segurança a investidores particulares, garantir que as comissões de remuneração do sistema são justas e competitivas com TradFi e que os sistemas têm capacidade de executar milhares de transações por segundo sem ferir a sua eficiência.

O ecossistema de DeFi é muito complexo e rico, desenha-se sempre a partir de redes de blockchain como por exemplo Ethereum, Solana, Avalanche, Tezos ou Cardano, daí partem para a utilização de moeda de câmbio estável e de menor volatilidade como Tether ou USD Coin (stablecoins), e depois elaboram camadas por cima que são softwares que funcionam como peças de Lego e garantem que o ecossistema se torna funcional. Existem blocos de peças que servem apenas para tornar a participação de instituições possível, como é o caso dos fornecedores de custódia, como a Copper, a Fireblocks, a BitGo ou a bem conhecida dos portugueses Anchorage que recentemente se tornou um unicórnio avaliado em 3 mil milhões de dólares, outro caso são os fornecedores de KYC como a Coinfirm, a Solidus Labs ou a Civic.

As peças finais de Lego estão depois associadas aos serviços financeiros descentralizados. Desde casas de câmbio como a Uniswap, Curve ou Sushiswap, passando por peças ligadas a crédito como AAVE, Goldfinch ou Anchor, até a fornecedores de staking como Allnodes, Blockdaemon ou Everstake. Para assegurar a liquidez de mercado temos, por exemplo, a Balancer ou a Lido, para fazer o papel de seguradora temos a Unslashed ou a Nexus Mutual e para convergir tudo isto numa experiência simples e intuitiva para um cliente final temos como porta de entrada e peça de Lego visível que esconde todo este ecossistema em projetos como Nexo, Celsius ou BlockFi – estes últimos são as melhores portas de entrada para quem quiser satisfazer a curiosidade por este novo mundo.

São conceitos muito novos, muito disruptivos e muito fora de todo o padrão de funcionamento da sociedade atual e dos sistemas financeiros que há décadas nos regem. São milhares de novos projetos, com milhões de pessoas a trabalhar todo o dia para criar uma nova norma financeira, mais descentralizada, mais rentável e mais escalável, e tudo a crescer a ritmo exponencial e com impacto direto em todos os sectores da sociedade. Os desafios são enormes, é ainda tudo pouco maduro e volátil, mas é inquestionável que esta é a grande revolução e tendência de médio-longo prazo para o sector financeiro global. O rei DeFi destronou o príncipe encantado FinTech que nem tempo teve de aquecer a cadeira.

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