Repensar o Estado - Para uma Social-Democracia da Inovação

Para Philippe Aghion e Alexandra Roulet, a inovação é a resposta aos desafios que se apresentam hoje à realidade francesa. Mas a verdade é que praticamente todos os pontos, comparações e propostas são aplicáveis - com adaptações - à nossa própria realidade nacional.

A obra Repensar o Estado - Para uma Social-Democracia da Inovação, de Philippe Aghion, professor de Economia de Harvard, e de Alexandra Roulet, que prepara doutoramento na mesma universidade americana, merece leitura atenta por parte de todos os que se interessam por políticas públicas e pela reforma das sociedades e economias, para as preparar para as novas realidades da disrupção tecnológica, da crise do Estado Social, das alterações demográficas e do desafio climático que impende sobre as próximas gerações.

A tese fundamental desta obra é a que é possível teorizar um Estado que torna a inovação a principal resposta aos desafios da mundialização, que não contradiz as forças do mercado, mas que as regula e modera em nome de uma sociedade mais justa e equilibrada e economicamente mais flexível e resiliente. A inovação é a resposta proposta pelos autores para os desafios que se apresentam na actualidade à realidade francesa, mas a verdade é que praticamente todos os pontos, comparações (benchmarks) e propostas são aplicáveis - com adaptações - à nossa própria realidade nacional.

A inovação é o centro da resposta proposta pelos autores, dado que acreditam que nas economias abertas e inovadoras da actualidade a criação de novas empresas e empregos, ao mesmo tempo que umas e outros são destruídos, é essencial para introduzir alguma estabilidade e previsibilidade no sistema, assim como para preservar o essencial das funções do sociais do Estado que deve promover, monitorizar e estimular esse processo de renovação do tecido empresarial e económico. Para suportarem as suas teses, recorrem a várias comparações entre a realidade francesa (a maioria facilmente adaptáveis à portuguesa) e a dos países nórdicos (Dinamarca e Noruega, sobretudo, e, menos, Suécia) e da Alemanha.

Os autores acreditam que, numa economia globalizada, a gestão macroeconómica pela procura não é eficaz e que o método keynesiano convencional de relançar a economia através do aumento da procura pode revelar-se contraproducente, traduzindo-se num aumento da dívida pública e do défice externo, enquanto se enriquecem os parceiros comerciais do país. E que ensaiar, na atualidade aberta e global de hoje, tal tipo de medidas - dando como exemplo o sucedido em França no começo da década de 1980 - pode ser contraproducente.

Philippe Aghion e Alexandra Roulet acreditam que o Estado deve posicionar-se já não apenas como o protector, mas como quem acompanha os cidadãos num percurso profissional que será cada vez mais mutável, com mudanças frequentes de emprego e, até, de profissão. Com efeito, não é expectável que as profissões que estão hoje a ser desafiadas pelos progressos na automação e inteligência artificial continuem a existir nas próximas décadas, no mundo desenvolvido, tais como: médicos, advogados, motoristas, programadores, construção civil, retalho, indústria, edição gráfica, telemarketing, bibliotecários, contabilistas, entre muitas outras... Este imenso abalo sísmico, social e económico tem de ser enfrentado de frente pela sociedade, sem negações ou demoras, e esse enfrentamento não pode ser liderado pelos particulares e pelas empresas (seria essa a ilusão dos neoliberais) mas pelo Estado. Com efeito, é este “Estado da Inovação” que tem de conduzir este processo massivo de reconversão, encarando - a prazo - medidas como o Rendimento Universal e estabelecendo já, no imediato, plataformas e respostas adequadas a este novo (inédito em escala na História humana) processo de reajustamento económico e social.

Mas o “Estado 1.0” dos dias de hoje não pode realizar a transmutação num “Estado 2.0” da Inovação e progresso sem fazer escolhas e sem definir prioridades de investimento e políticas públicas. Só assim poderá garantir a eficácia dos seus investimentos e manter o rigor orçamental que a sanidade económica e financeira exige assim como a sua permanência na moeda única e na União Europeia. Este Estado da Inovação deve dar respostas aos cidadãos para os riscos provocados pela instabilidade laboral e pela precariedade ajudando-os a encontrar novas profissões ou na transição para outros empregos dentro da mesma profissão e criando formas de ajudar as empresas privadas a resistirem aos desafios da globalização e na transição para uma sociedade da inovação e do conhecimento. A este respeito os autores ilustram e explicam todas as vantagens da “flexisegurança” nórdica e a viabilidade da sua aplicação - com adaptações - no sul da Europa.

Os autores defendem que a resposta do Estado deve ser focalizada em determinados sectores previamente identificados (sendo que, em Portugal, estes já constavam do conhecido “relatório Porter": calçado, têxtil, vestuário e confeções, vinhos e mobiliário) e não em medidas indiscriminadas que visam alcançar (às cegas) todo o tecido económico ou favorecer apenas uma lista reduzida de empresas ou organizações. Isto é tanto mais verdadeiro para Portugal dada a dimensão da nossa dívida pública e a ausência de grandes sectores industriais de peso como se encontram noutros países europeus e, designadamente, em França onde sectores como o nuclear, o automóvel ou o aeronaútico obreiam, lado a lado, com os melhores concorrentes globais.

Para suportar orçamentalmente esta transição para um Estado da Inovação Philippe Aghion e Alexandra Roulet acreditam que é necessário realizar uma profunda reforma fiscal que siga de perto o modelo que os países escandinavos implementaram gradualmente durante vinte anos e a partir da década de 1990 e que visava conciliar o apoio à inovação e a redistribuição de rendimentos.

As propostas destes dois autores merecem profunda reflexão e adaptação para o caso português. Nesse sentido irei tratar de trabalhar sobre elas, uma a uma, adaptá-las ao caso português e de as conduzir até aos nossos decisores e procurar assim que sejam implementadas depois de estarem devidamente desenvolvidas e suportadas por mais estudos e estatísticas que suportem a sua implementação em Portugal. Não se trata, certamente, de soluções milagrosas ou que, num par de anos, sejam capazes de resolver os atrasos e bloqueios atávicos da nossa sociedade mas podem, certamente, dar um contributo decisivo para o nosso efectivo desenvolvimento enquanto país e comunidade nacional dentro de um contexto de políticas de centro-esquerda e de uma Europa Social com adesão à inovação, aos desafios da modernidade e à imperativa necessidade de combater e mitigar as alterações climáticas.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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