110 Histórias, 110 Objectos: o laboratório de análises portátil de Isabel Gago

O podcast 110 Histórias, 110 Objectos, do Instituto Superior Técnico, é um dos parceiros da Rede PÚBLICO.

No podcast 110 Histórias, 110 Objectos, um dos parceiros da Rede PÚBLICO, percorremos os 110 anos de história do Instituto Superior Técnico (IST) através dos seus objectos do passado, do presente e do futuro. Neste 33.º episódio do podcast, desmontamos o laboratório de análises portátil de Isabel Gago.

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O laboratório de análises portátil de Isabel Gago Débora Rodrigues

Isabel Gago é um nome indissociável da história do Técnico: primeira mulher engenheira química, segunda mulher engenheira e a primeira mulher professora do IST. A herança que deixou à instituição vai para além da memória enquanto professora, tendo também sido responsável pela construção de alguns objectos icónicos, como o “laboratório de análises portátil”, ainda durante a primeira metade do século XX.

Falamos de “uma mala que se abre e que expõe todo o arsenal de material para ensaios e que descreve também todos os ensaios que se podem fazer, em particular os ensaios de microanálise, dentro do domínio da mineralogia”, explica João Salvador Fernandes, professor associado do departamento de engenharia química do IST.

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Actualmente guardado no departamento, este laboratório foi “feito ao milímetro” para permitir que os investigadores pudessem usá-lo em trabalho de campo sem precisarem de recorrer a mais nada. “Tinha que haver reagentes em quantidade para cada visita e, ao mesmo tempo, permitia fazer todo o tipo de ensaios sem ter que voltar ao laboratório”, explica João Salvador Fernandes, que descobriu o objecto já depois do falecimento de Isabel Gago (1913-2012).

Descrito ao pormenor em dois artigos da Revista Técnica de 1946, o objecto adapta uma mala de viagem e converte-a num laboratório. É composto por diversas “caixas” que são como estojos com portas de correr, expondo diversos tipos de material: frascos com reagentes, frascos de ácidos fortes, acessórios, almofarizes, uma lupa de relojoeiro, provetas, pipetas, uma ampulheta, vidros de relógio, lâminas, cadinhos e até uma pilha seca de 4,5 volts e outros materiais que já não estão. Entre eles, um está descrito na Revista Técnica como “não existindo no tamanho adequado para caber na caixa”: um maçarico de gasolina. “Havia (ainda) uma lamparina de álcool que se perdeu entretanto, e existia também um equipamento adequado a um tipo de ensaio - a técnica do método electrográfico - que utilizava a pilha de 4,5 volts e que promovia a oxidação do minério de maneira a que se pudesse fazer a detecção dos seus elementos”, explica.

O interior do laboratório portátil, todo em madeira, feito provavelmente nas oficinas do IST (nos anos 40 “conhecidas como oficinas de muito grande qualidade”), utilizava a parte de cima da mala como mesa de trabalho para que as análises pudessem ser feitas por cima dos joelhos do operador.

O laboratório é, de resto, um dos muitos exemplos do engenho que Isabel Gago colocava na construção de “montagens experimentais”, feitos à medida, para que se conseguisse realizar os ensaios que ela pretendia. “Em termos de tamanho, precisão, era tudo desenhado por ela”. Entre os mais notáveis está ainda uma mesa de trabalho onde se pode arrumar material de laboratório. “Tinha que criar, porque não tinha meios. Os financiamentos na altura eram muito reduzidos e portanto era preciso ter muita imaginação para conseguir fazer as coisas e conseguir trabalhar, e conseguir resultados experimentais, como era o caso dela. Ela era muito activa e quando tinha vontade de fazer uma coisa, não olhava a meios”, explica João Salvador Fernandes.

Isabel Gago dedicou todo o seu percurso ao Instituto Superior Técnico, desde que ingressou como aluna em 1933. Terminou a licenciatura em Engenharia Química em 1939 e foi, a par de Maria Luísa Pereira dos Santos, uma das duas primeiras engenheiras químicas licenciadas pelo IST. Permaneceu na escola como assistente, seguindo a carreira de docente universitária até se aposentar em 1984, com 70 anos.

Leccionou várias cadeiras, em geral na área da electroquímica e da hidrometalurgia, e deixou marcas em várias gerações de alunos: “Quando havia uma sessão solene no Técnico em que ela estava presente a, fila - como eu digo para o ‘beija mão’ era uma coisa digna de se ver”, recorda João Salvador Fernandes. “Jubilou-se em 1984 e eu tê-la-ia tido como professora nesse ano, portanto já não a apanhei. Mesmo depois de se jubilar continuou a trabalhar por aqui até praticamente aos 80 e muitos anos”, complementa.

Para além da relação com estudantes e do rigoroso trabalho de investigação, ficam também na memória outros “diálogos” que Isabel Gago estabeleceu com autores dos livros que ofereceu à biblioteca do departamento. Por exemplo, num livro de John Bockris, um dos grandes electroquímicos do nosso tempo, anotou o seguinte comentário numa passagem do livro: “Mas isso já eu sabia, eu tinha deduzido isso antes de ti”.

O podcast 110 Histórias, 110 Objectos é um dos parceiros da Rede PÚBLICO. É um programa do Instituto Superior Técnico com realização de Marco António (366 ideias) e colaboração da equipa do IST composta por Filipa Soares, Sílvio Mendes, Débora Rodrigues, Patrícia Guerreiro, Leandro Contreras, Pedro Garvão Pereira e Joana Lobo Antunes.

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