A superioridade moral da Constituição da República Portuguesa

Só o Chega não se revê na CRP, defendendo uma refundação do regime que emergiu da revolução de Abril e da implantação da democracia em Portugal.

Agora que o Chega passou a grupo parlamentar e, portanto, aprofunda a sua institucionalização na vida política portuguesa, o debate acerca da legitimidade moral deste partido na nossa vida política adensa-se.

O Tribunal Constitucional não impediu a existência deste partido político, pelo que a sua legitimidade legal está, até ver, assegurada. Coisa bem diferente é aferirmos da sua razoabilidade moral.

Qualquer comunidade tem uma moral institucionalizada. Nos países com Constituição escrita, é nesse documento que se encontra a consubstanciação dessa moral. Se é certo que as Constituições são fruto do momento em que foram criadas, é também verdade que as suas sucessivas actualizações permitem validá-las como repositório da moral vigente na sociedade. E a Constituição da República Portuguesa é laica, humanista, consagradora da democracia liberal e dos direitos económicos, sociais e políticos.

É verdade que há fundamentalistas religiosos em Portugal que queriam que o nosso país fosse confessional, há quem defenda a monarquia e há quem odeie a democracia parlamentar e liberal. Mas essa minoria de portugueses não representa Portugal. Portugal, enquanto nação e comunidade de valores, é representado pela CRP e por todo o espectro partidário que nela se revê. Ora, só o Chega não se revê na CRP, defendendo uma refundação do regime que emergiu da revolução de Abril e da implantação da democracia em Portugal. Olhando para as percentagens de votação nas últimas legislativas, ficamos com a noção de que 92,85% dos portugueses estão alinhados com o regime, e só 7,15% estão em oposição.

João Miguel Tavares queixa-se da superioridade moral da comunidade em relação ao Chega, acusando políticos, jornalistas e comentadores de estarem a desrespeitar esse partido e os seus deputados, de serem classistas e de não estarem dispostos a rebater os argumentos do Chega. Acontece que nada disso é verdade.

Primeiro, se há partido que tem protagonismo mediático é o Chega, de uma forma que nenhum outro partido emergente teve (pense-se no protagonismo de André Ventura durante todo o tempo em que o Chega ainda não tinha representação parlamentar, ou quando passou a ter apenas um deputado).

Depois, aquilo que mais tem acontecido é os debatentes desmontarem os argumentos do Chega. O que Joana Amaral Dias fez a Rita Matias foi uma sova intelectual, apenas porque a posição de Rita Matias era intelectual e logicamente insustentável.

Finalmente, se há partido de pessoas privilegiadas é o Chega, em que nenhum dos seus deputados ou nomenclatura é pobre. Terão os jornalistas uma atitude de discriminação face às classes a que pertencem Mithá Ribeiro, Pacheco de Amorim, Rita Matias e demais? Mais, a táctica comunicacional do Chega é contrária ao debate: insultos, insinuações, berros e todas as falácias argumentativas existentes impedem um debate são, de ideias, com o Chega. E isso é só culpa da estratégia desse partido, não dos outros.

O Chega tem o direito a defender o que quiser, inclusivamente de mudar constantemente a sua posição sobre os mais diversos assuntos. O que não pode é obrigar a comunidade, e os outros partidos, a respeitarem a suas ideias ou a acharem que são merecedoras de consideração, quando essas ideias são chocantes para os padrões morais da sociedade.

O programa eleitoral do Chega está disponível para consulta. A visão de sociedade aí explanada vai contra vários valores de Portugal, consagrados na CRP (p. ex, a laicidade ou a adesão à Declaração Universal dos Direitos Humanos).

Enfim, não se pode obrigar uma comunidade que se baseia em princípios científicos a debater a cientologia como explicação do universo. O absurdo político tem direito a existir, mas deve ser tratado como tal.

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