Mário Centeno: défice de 2021 poderá ter ficado abaixo de 3%

O antigo ministro das Finanças considera que o investimento público “deve ser exclusivamente, ou perto disso, financiado por fundos europeus”.

Foto
Rui Gaudencio

O governador do Banco de Portugal (BdP), Mário Centeno, afirmou esta quarta-feira que o défice orçamental de 2021 terá sido inferior a 3% do Produto Interno Bruto (PIB) e, este ano, tem “condições aritméticas” para ficar abaixo de 1%.

“Em 2021, o défice orçamental ficará muito próximo dos 3%, talvez mesmo cumprindo já com os tratados orçamentais, ou seja, será provavelmente inferior a 3%”, afirmou o ex-ministro das Finanças durante a conferência “Vamos lá, Portugal”, organizada pelo Jornal de Negócios e pelo Millennium BCP.

“Em 2022 – acrescentou - o saldo orçamental reúne as condições (aritméticas) para se situar abaixo de 1%” e, entre 2022 e 2023, “o país está em condições de recuperar o equilíbrio orçamental anterior à crise pandémica”.

Já “a dívida pública recuou em 2021 para os 127% do PIB e, em termos nominais deverá cair, o que acontece pela primeira vez desde 1948”, disse Centeno.

O ex-governante lembrou que, quando começou a crise pandémica, “Portugal tinha as contas públicas equilibradas, com um saldo orçamental excedentário”, no que descreveu como “uma metamorfose ao fim de 45 anos de democracia”.

“Com estes resultados orçamentais, é a primeira vez que Portugal enfrenta uma crise sem entrar em défices excessivos”, salientou, recuando ao período em que era ele o titular da pasta das Finanças para lembrar que, “em 2019, o rácio da dívida pública era alto e, hoje, permanece elevado, mas tinha caído 15 pontos percentuais nos quatro anos anteriores, fixando-se nos 116% do PIB”.

Para além desta redução da dívida pública, Mário Centeno destacou também a diminuição da dívida privada em Portugal, que “não teve paralelo na Europa”, assim como a redução de custos e de riscos e a capitalização do sistema bancário.

“Os resultados dos bancos cresceram e, em 2021, voltaram aos valores pré-pandemia. A rendibilidade dos capitais próprios dos maiores bancos está próxima de 5%, com um resultado líquido agregado de 1.200 milhões de euros”, apontou, acrescentando que “o rácio de NPLs [crédito não produtivo] bruto caiu para perto de 4%, e líquido de imparidades é inferior a 2%”.

Sustentando que Portugal é hoje “um país com menos risco”, o governador do BdP considerou, contudo, “fundamental retomar a trajectória de redução do rácio da dívida pública, sustentada por um plano credível de consolidação orçamental”.

Apontou como sinais positivos o crescimento, em Janeiro, de “perto de 40%” da receita homóloga de IVA, de “cerca de 20%” do Imposto de Selo e de 18% do Impostos sobre Produtos Petrolíferos (ISP).

Quanto ao desagravamento fiscal, avisou que “deve ser selectivo e com objectivos claros”, referindo que, “desde 2015, a carga fiscal estrutural (a que decorre das decisões de política fiscal) reduziu-se 1,2 pontos percentuais do PIB, num contexto de consolidação orçamental”.

Defendendo que “o crescimento da receita fiscal acima das previsões deve ser canalizado para a redução do défice e da dívida”, Centeno considerou que “esta continua a ser a melhor forma de investir no futuro num contexto de incerteza”.

“A manutenção desta trajectória permitirá que a classificação creditícia da dívida pública (e privada) continue a progredir e que o diferencial da taxa de juro não alargue face aos títulos de referência na União Europeia”, disse, considerando que, “num país em que a dívida pública e privada é superior a 300% do PIB desde 2007” - e mesmo esperando-se “que deixe ser assim já em 2022” - esta é “a melhor política pública de apoio ao crescimento”.

“Na análise da sustentabilidade da dívida, feita pelos organismos internacionais, Portugal deixou para trás países como a Espanha, a França, a Bélgica e a Itália. Fê-lo por mérito próprio. Não podemos perder esta dinâmica”, enfatizou.

Na sua intervenção, Mário Centeno salientou ainda a importância de uma “implementação eficiente dos projectos e das reformas do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]”, que permitirão “promover a transição climática e digital com financiamento a taxas muito reduzidas e com partilha de risco”.

Neste sentido, defendeu que o investimento público “deve ser exclusivamente, ou perto disso, financiado por fundos europeus”: “O investimento público em Portugal nos últimos anos tem sido financiado essencialmente pelo Orçamento do Estado. Nos anos do PRR esta situação deve mudar. Só assim conseguiremos implementar esses fundos”, avisou.

É que, lembrou, “se o investimento público não é o ‘Anita vai às compras’, nos últimos anos a carteira da Anita raramente tem sido de Bruxelas”, pelo que “a prioridade mais clara e evidente dos próximos anos é: implementar o PRR e os fundos do novo ciclo orçamental”.

No que toca ao sistema bancário, o governador do banco central disse persistirem ainda “desafios estruturais” como a digitalização, a consolidação do sector e a transição climática.

“O sector tem que trabalhar com a sociedade para devolver ao país tudo o que o país lhe tem concedido num esforço colectivo”, sustentou, notando que, “nos últimos anos, o contributo para as contas públicas do sector bancário tem sido positivo” e este “deixou nos últimos anos de ser um peso para o Orçamento do Estado”.

Sugerir correcção
Comentar