O PS ganhou a maioria absoluta porque fez uma campanha péssima

Todo o meu respeito por quem pensou que votar PS era absolutamente necessário por estarem valores inegociáveis em jogo. E toda a minha solidariedade pelos que já estão arrependidos, porque afinal não estavam.

Há conceitos que para mim sempre foram muito bizarros. A ideia de pedir uma maioria absoluta ainda percebo, já a ideia de que “os portugueses quiseram dar uma maioria absoluta”, essa não entendo. Cada pessoa vota individualmente. Não há nenhuma pessoa que ao ir votar considere que transporta em si uma maioria absoluta. Não há ninguém que, com o seu voto único, represente “os portugueses”.

Tenho amigos que votaram PS pela primeira vez, não por quererem dar uma maioria absoluta ao PS, mas sim pelo medo que o PS pudesse vir a perder as eleições, o que é bem diferente!

Até eu, que nunca votei PS, nem agora (votei uma vez no António Costa para a Câmara de Lisboa), vendo a péssima campanha que o PS estava a fazer, liguei a amigos do PS pedindo que falassem das coisas que fizeram bem. Falem da pandemia! Falem!

Toda a esquerda queria que o PS ganhasse porque era óbvio que se não ganhasse, desta vez, iria deixar o PSD governar, o tal acordo de cavalheiros que sabemos lá onde poderia ir dar. O António Costa tinha já dito que se ia embora, o PS ficava temporariamente sem secretário-geral. O país não ficaria à espera que resolvessem esse problema, e Rui Rio, apesar da sua campanha sem palavras, com sorrisos forçados e a eterna infantilização dos portugueses com aquela coisa dos bombos e das feiras, seria primeiro-ministro.

O PS, ao viabilizar um governo do PSD, podia sempre desculpar-se dizendo que fazia isso para impedir que o PSD negociasse, por cima ou por baixo da mesa, com o Chega. Mas e depois, como era? Que políticas seriam as do PSD? E o PS iria dizer que sim a tudo? E o que é a estabilidade? Vale a estabilidade de um governo para criar instabilidade na vida das pessoas? Para que serve um governo? Para isso? Era isso que o PS apoiaria? Isso que ninguém sabia sequer o que era. O PSD tinha um programa escrito, mas Rui Rio chegou a dizer: “ah, eu disso não sei porque quando foi escrito eu não estava lá.” Outras vezes: “pois, realmente isso tem que se ver melhor.” Isto é sério? O PS ficava nisto quanto tempo? Quatro anos?

Ou então, era o bloco central puro e duro, o arco-da-velha da governação. O arco-da-velha muito velha. Ou então: era o Chega. E junto com esses, ainda seria também a ideologia do: nasceste pobre, azar o teu. Mas podes sempre entrar num colégio de elite, com um cheque do Estado, e ser um dia um dos mais ricos. Os colégios de elite, senhor Cotrim, interessam-se pelos rankings, só escolhem os que já vêm preparados de fora. Fazem pré-exames, entrevistas. Entrevistas aos filhos e aos pais. Não sabe?

Quando o José Mário Branco cantava “O que eu andei para aqui chegar”, não era para chegar aqui. Não sei como os poetas portugueses vão passar a olhar para o grafismo do verbo chegar. Penso que esse verbo pode até desaparecer da poesia portuguesa.

Muitos portugueses abdicaram de votar por um novo compromisso à esquerda por medo de males maiores, estes que mencionei, e outros.

Em França, toda a esquerda votou Macron para não deixar Le Pen ganhar as eleições. Não estou a comparar Costa a Macron, mas é este o comportamento que a esquerda tem quando há valores inegociáveis em jogo. Todo o meu respeito por quem pensou que votar PS era absolutamente necessário por estarem valores inegociáveis em jogo. E toda a minha solidariedade pelos que já estão arrependidos, porque afinal não estavam.

Assim como as sondagens nos falam de uma espécie de mundo paralelo que magneticamente vai atraindo a realidade, também aqui vos falei do filme que elas foram projectando nas nossas cabeças.

Na altura não compreendi por que os partidos à esquerda do PS não tinham deixado o orçamento ir para a especialidade, não se explicaram bem, foi um erro muito grave essa falta de explicação. Foram também muito penalizados por isso, certamente. Mas agora, retrospectivamente, e depois do pesadelo desse filme atrás imaginado, pensando nestes sustos possíveis todos, penso que se me explicarem agora, eu vou compreender e até, quem sabe, concordar. Porque depois desta reflexão, uma pergunta eu faço: afinal, em quem é que não se pode confiar?

Sugerir correcção
Ler 13 comentários