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Galiza: o que resta da floresta que o eucalipto (ainda) não engoliu

O projecto Cartografia do Esquecimento, da fotógrafa galega Ariadna Silva Fernández, relembra que o eucaliptal já engoliu mais de 300 mil hectares da Galiza, o que corresponde a 30% da sua superfície florestal. “Há uma certeza: a Mata Atlântica é um legado que ainda faz parte do nosso presente. Só não é certo que vá fazer parte do nosso futuro.”

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Antes da chegada dos romanos à Península Ibérica, antes de Espanha se chamar Hispânia e de a Galiza se chamar Gallaecia, povos de raiz celta habitavam a região. Esses, refere a fotógrafa galega Ariadna Silva Fernández, “consideravam os carvalhos e os castanheiros árvores sagradas, fontes de sabedoria e canais de comunicação com o além”.

Ao longo muitos, muitos séculos, a floresta nativa galega foi composta sobretudo por carvalhos, sobreiros, pinheiros mansos, castanheiros. Os carvalhais (ou “carballeiras”, em galego) são, segundo Ariadna, “muito utilizados para celebrações e festividades” até aos dias de hoje ; “são considerados espaços de lazer e desconexão (…), lugares onde memórias colectivas e individuais correm risco de extinção”. Algo ameaça, porém, há mais de um século, a identidade da chamada Mata Atlântica. Algo tem alterado rosto e as entranhas da floresta nativa galega. O nome dessa ameaça é bem conhecido de todos os habitantes da península: o eucalipto. Chegou em 1846 dos antípodas como árvore ornamental, símbolo de riqueza, e não mais abandonou o território. Prosperou durante franquismo e hoje ocupa mais de 300 mil hectares da Galiza, 30% da sua superfície florestal.

Quando Ariadna pensa na floresta nativa da Galiza, há palavras que considera obrigatórias: identidade, cultura, história. “É um símbolo cultural, parte de um património natural herdado”, descreve ao P3, em entrevista. A fotógrafa de 26 anos entende a Mata Atlântica como um elemento transversal a milhares de gerações da região e, por isso, um símbolo ancestral da cultura galega. “A ideia de que o eucalipto apague estas espécies autóctones, como carvalhos e castanheiros é, para mim, uma profanação”, remata. O amor que nutre pela floresta é tão forte como o repúdio que sente pelas “dinâmicas neoliberais” que conduzem, presentemente, à sua destruição. “A comercialização do eucalipto é muito rentável a curto prazo, mas é necessário prestar atenção aos problemas que pode causar, poucos anos mais tarde, pelo seu carácter invasor”, alerta. “O seu interesse económico radica numa propriedade florestal fragmentada e desaproveitada, apresenta-se como um sustento económico para muitos proprietários de terras inutilizadas.”

Enquanto os eucaliptos crescem, a vegetação rasteira ganha terreno – consequências que Ariadna considera “fruto de abandono e de falta de vontade política” –, aumentando o risco de incêndio. “As qualidades inflamáveis do eucalipto tornam-se num grande perigo e o circuito fecha-se com cinzas. O eucalipto abre o caminho para o esquecimento; o fogo aumenta.” Ressalva que “não é o eucalipto a causa dos incêndios”; “é, sim, um agravante porque é muito inflamável e reproduz-se muito rapidamente após incêndio”. O resultado, lamenta, é um processo cíclico. “Penso que a situação em Portugal é similar”, recorda. “A catástrofe dos incêndios de 2017 [em Pedrógão Grande] demonstrou a urgência de mudar as políticas florestais por modelos mais ecológicos e respeitosos do meio ambiente.” Entretanto, em Julho de 2021, entrou em vigor a Lei de Recuperação da Terra Agrária da Galiza, que proíbe novas plantações de eucalipto na região autónoma até final de 2025; o objectivo do governo regional é diminuir em 20 mil hectares a área de eucaliptal.

O projecto Cartografia do Esquecimento, que esteve exposto em Portugal ao abrigo do Festival Encontros da Imagem em Outubro de 2021, é na realidade “um pequeno álbum familiar”, refere, aludindo aos retratos que pontuam as paisagens florestais que compõem o grosso da série. Existe um motivo especial: uma história de família. “Em concreto, relacionada com a compra e venda de madeira de eucalipto levada a cabo pelo meu avô materno”, revela. “Os elementos naturais que estão pousados sobre os retratos [de família do lado materno] dialogam em consonância com a destruição progressiva do bosque. A ideia é fazer uma analogia entre a destruição do bosque e o desaparecimento dos rostos como forma de expressar a uma perda identitária.”

Para Ariadna, a defesa do bosque atlântico é sinónimo de resistência. A sua preservação é uma garantia de manutenção da biodiversidade, de cuidado com o meio ambiente e de protecção natural contra os incêndios. “Há uma certeza”, conclui. “A Mata Atlântica é um legado que ainda faz parte do nosso presente. Só não é certo que vá fazer parte do nosso futuro.”

©Ariadna Silva Fernández
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