Sobre a (aparente) falta de accountability à direita

Que os jovens não sejam esquecidos e que a segurança governativa possa contribuir para uma reversão do caminho que percorremos nas últimas duas décadas, que desarme o pessimismo que tantas vezes se ouve entre uma geração cada vez mais precária.

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LUSA/MANUEL DE ALMEIDA

As eleições de 30 de Janeiro de 2022 trouxeram resultados surpreendentes. O PS venceu com maioria absoluta, o PSD foi derrotado de forma arrebatadora, o BE e o PCP ficaram órfãos de alguns dos seus deputados mais emblemáticos, a IL continuou o seu caminho de afirmação no espectro político português, o PAN perdeu fulgor, o Chega tornou-se a terceira força política nacional, o Livre manteve o resultado de 2019 e o CDS-PP saiu do mapa parlamentar.

Numas eleições que viram a taxa de abstenção diminuir (o que indiciará uma taxa real de abstenção na linha de outras democracias europeias consolidadas, a surpresa e a presumível frustração diante dos resultados paupérrimos levaram a que as justificações se reduzissem a um “falhanço” do povo português, acompanhado por sugestões de um suposto fastio relativamente a Portugal.

Na literatura política e jurídico-constitucional, é muitas vezes utilizado o termo accountability, que, na falta de uma tradução directa para a língua portuguesa, pretende significar “a obrigação de quem ocupa um determinado cargo, prestar contas de forma fidedigna e principalmente responsável, quer no âmbito público, quer no âmbito privado”.

Por um lado, a campanha social-democrata seguiu um itinerário errante: Rui Rio mostrou-se indeciso quando instado a colocar o PSD no centro-esquerda, centro ou centro-direita, esbatendo num discurso que não ofereceu uma verdadeira alternativa ao governo socialista. Com efeito, se é verdade que os sociais-democratas se uniram em torno do líder depois da legitimação que o mesmo teve nas eleições internas, a falta de coragem para assumir a responsabilidade pelos resultados eleitorais reflecte o desamparo em que o centro-direita se encontra desde 2015: sem rumo e aguardando uma introspecção, ambos adiados pelo fôlego conferido pelas últimas autárquicas. Numa democracia, o povo é soberano, elegendo os seus representantes de forma transparente, igualitária e periódica, pelo que um discurso que quase sugere a existência de votos de primeira e de segunda é inaceitável.

Por outro lado, o desaparecimento do CDS do Parlamento surge depois do adiamento do congresso para depois das eleições legislativas, escapando ao escrutínio dos militantes. A transformação num partido de causas, sem a força intelectual que o alavancou durante décadas, ditou a sua redução à quase insignificância. Impõe-se uma readaptação, uma aproximação de algumas das figuras que foram saindo nos últimos anos, para que seja possível um regresso de um partido tão importante para a democracia portuguesa.

É imperioso que os partidos da direita tradicional reflictam, reavaliem o rumo que pretendem seguir e aproveitem a próxima legislatura para se consolidarem e revitalizarem, de forma a poderem encarar as próximas eleições legislativas preparados para oferecer uma verdadeira alternativa aos Portugueses, independentemente da governação dos próximos quatro anos.

Relativamente à eleição do Partido Socialista, será um mandato marcado pela estabilidade e representará uma oportunidade para o PS limpar a imagem da última maioria absoluta que teve. Em princípio, estaremos a caminho de dez anos de António Costa como primeiro-ministro, em que este quererá certamente deixar um legado de prosperidade. Que os jovens não sejam esquecidos e que a segurança governativa possa contribuir para uma reversão do caminho que percorremos nas últimas duas décadas, que desarme o pessimismo que tantas vezes se ouve entre uma geração cada vez mais precária.

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