Tentativa de golpe militar fracassou na Guiné-Bissau

Presidente Embaló agradeceu às forças de segurança do país africano por terem travado um “atentado à democracia”, após ataque e tiroteio no palácio do Governo, que fez feridos e mortos. Santos Silva espera que tenha sido um “incidente de percurso” no período de consolidação institucional do país.

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Paulo Pimenta

A tentativa de golpe de Estado na Guiné-Bissau, levada a cabo por um grupo de soldados guineenses nesta terça-feira, na capital do país, fracassou. Ao fim de várias horas em parte incerta, na sequência de um ataque ao palácio do Governo, durante uma reunião do Conselho de Ministros, o Presidente Umaro Sissoco Embaló recorreu ao Facebook para anunciar que “a calma voltou a Bissau” e publicar uma fotografia sua no palácio presidencial.

Pouco depois, fez uma declaração ao país, ao lado do primeiro-ministro, do vice-primeiro-ministro e da ministra da Justiça, agradecendo às forças de defesa e segurança por terem impedido um golpe de Estado, que constituiu um “atentado à democracia”.

Foi um “acto bem preparado e organizado e que poderá também estar relacionado com gente relacionada com o tráfico de droga”, justificou Sissoco Embaló, acrescentando que há pessoas detidas e vítimas mortais, sem falar em números oficiais.

O ataque ao palácio do Governo, onde decorria o Conselho de Ministros teve fogo cruzado durante cinco horas, explicou o Presidente.

“A Guiné-Bissau não merece isto”, disse Embaló, rejeitando qualquer responsabilidade: “Sou um homem de paz, contra a violência. Peço à população para estar serena”.

Durante a tarde foram ouvidos tiros de bazuca e rajadas de metralhadora junto ao palácio do Governo, onde, para além do Presidente, estava o primeiro-ministro, Nuno Gomes Nabiam, e outros dirigentes políticos. Vários militares cercaram o edifício e estabeleceram um perímetro de segurança de 500 metros. Foram avistadas pessoas a fugir da área do palácio e as lojas, os serviços e os bancos da capital foram encerrados.

A Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), a União Africana e as Nações Unidas apressaram-se a condenar a “tentativa de golpe”.

Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros português, também condenou as “movimentações armadas” em Bissau e descrevendo-o como “absolutamente inaceitável”, repudiou o ataque e disse espera que o mesmo se trate de um “incidente de percurso”, uma vez que o país tem tido um período de estabilidade e consolidação institucional “que é muito importante que prossiga”.

Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, já falou entretanto com o seu homólogo guineense. “O Presidente da República acompanhou a par e passo, com preocupação, a situação em Bissau, tendo já falado telefonicamente com o Presidente Sissoco Embaló, a quem transmitiu a sua condenação veemente, que é a mesma do Governo português e da CPLP, a estes atentados à ordem constitucional na Guiné-Bissau”, lê-se numa nota publicada no site da Presidência.

Santos Silva disse ainda que entre os portugueses na capital guineense não há registo de qualquer problema e acrescentou que o avião que saiu de Bissau esta manhã descolou em segurança e sem qualquer incidente.

“O avião da TAP descolou ao final da manhã em segurança, os portugueses estão calmos e não temos notícia de qualquer nervosismo, não tenho registo de qualquer intranquilidade, para além da intranquilidade que todos sentimos quando há tiros na rua e uma acção armada”, disse o ministro socialista

Através de uma nota no seu site, a Embaixada de Portugal na Guiné-Bissau diz que “recomenda a todos os cidadãos portugueses residentes na Guiné-Bissau que, em virtude dos recentes acontecimentos, permaneçam em casa e aguardem novas informações”.

Situação instável

Nos últimos 18 meses houve três golpes militares em países da África Ocidental – Mali, Guiné-Conacri e Burkina Faso. A Guiné-Bissau também tem um longo historial de golpes e tentativas de golpes de Estado, e de interferência das Forças Armadas no poder político.

Em Outubro do ano passado, o general Biagué Na N’Tan, chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas guineense, denunciou que se andava a preparar um golpe, através do aliciamento de jovens soldados para a causa com recompensas financeiras.

Umaro Sissoco Embaló, do partido Madem, autoproclamou-se Presidente em Fevereiro de 2020, à revelia da Justiça, depois de ter vencido a segunda volta de umas eleições presidenciais muito contestadas pela oposição e que motivaram a intervenção do Supremo Tribunal. A CEDEAO só o reconheceu como Presidente em Abril de 2020.

O chefe de Estado derrubou o Governo do PAIGC, vencedor das legislativas de 2019 e que detinha a maioria no Parlamento, e, tem governado com mão dura desde essa altura, sendo acusado de perseguição aos opositores, jornalistas e activistas políticos e de direitos humanos.

Remodelação polémica

Estes incidentes na capital guineense junto ao palácio governamental decorrem dias depois de uma remodelação do Executivo, decidida por Umaro Sissoco Embaló, que foi contestada inicialmente pelo partido liderado por Nuno Gomes Nabiam. Posteriormente, o líder do Governo disse que concordava com a remodelação feita.

As relações entre o chefe de Estado e do executivo têm sido marcadas nos últimos meses por um clima de tensão, agravada nos últimos meses de 2021 por causa de um avião Airbus A340, que o Governo mandou reter no aeroporto de Bissau, onde aterrou vindo da Gâmbia, com autorização presidencial.

Entre os governantes afastados na remodelação está o ex-secretário de Estado da Ordem Pública guineense, Alfredo Malu, que disse que a sua saída está relacionada com a sua actuação no caso do avião retido no aeroporto de Bissau.

Nas declarações aos jornalistas, o ex-secretário de Estado sublinhou que o Presidente da República considerou que foi da sua autoria a ordem de inspecção ao aparelho por parte de uma equipa de peritos norte-americanos.

O primeiro-ministro começou por dizer que o aparelho tinha entrado no país de forma ilegal e que trazia a bordo carga suspeita, mas dias depois afirmou, perante os deputados no Parlamento, que uma peritagem internacional, por si solicitada, concluiu que não se tratava disso, mas sem mais detalhes.

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