Operação BYOB: Bring Your Own Booze

Ler o relato de mais uma festarola que o governo britânico organizou fez-me lembrar os tempos universitários, em que não havia distinção entre o trabalho e o deboche.

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Reuters/PETER NICHOLLS

O email não deixa dúvidas. Em modo adolescente-com-hormonas-aos-saltos, o secretário do primeiro-ministro britânico enviou uma mensagem para mais de 100 pessoas a convidar para uma festinha no famoso Rose Garden do número 10 Downing Street, na quinta-feira de 20 de Maio 2021, despedindo-se com um singelo BYOB (“Bring your own booze”).

Traduzido pela comunicação social como “tragam as vossas bebidas”, o pedante bilingue em mim não pode deixar de apontar que booze se encontra algures entre bebidas e Queima das Fitas na escala de formas de descrever uma comemoração. Uma tradução mais fiel ao significado original da mensagem seria “tragam as vossas bezainas”. Os jovens colaboradores do governo conservador seguiram à risca as instruções e, imbuídos pelo espírito da mensagem, deslocaram-se ao supermercado mais próximo para regressarem com uma mala de porão daquelas que a Ryanair tanto gosta carregada de álcool.

Uma hora antes, um dos ministros tinha acabado de se dirigir à nação e pedir o prolongamento do confinamento como parte do esforço colectivo para dar tempo para implementar o programa de vacinação. Enquanto o resto da população definhava em isolamento e chorava as centenas de milhares de mortos por teleconferência, o governo estava a organizar mais festas do que aquelas que eu tive oportunidade de participar nos meus 30. Ler o relato de mais uma festarola que o governo britânico organizou fez-me lembrar os tempos universitários, em que não havia distinção entre o trabalho e o deboche. Ah que saudades de levantar da cama com um sorriso de cara a cara e a determinação para aproveitar o pico de performance dos nossos fígados!

Atacado de todos os lados, o nosso primeiro-ministro avançou então com a Operação Big Dog BYOB – Bring your own bullshit para distrair as atenções, lançando uma série de medidas para atrair os focos mediáticos. Primeiro, o governo decidiu acabar com a pandemia e terminou com todas as medidas de contenção da propagação do vírus numa altura em que “só” temos mais de 400 mortos por dia. Depois discutiu a introdução de canhões de som para dissuadir refugiados de tentarem a travessia do canal da Mancha demonstrando ter a mesma maturidade que uma criança de cinco anos. Avançaram também os nomes de potenciais candidatos para serem sacrificados profissionalmente em nome do deus Sol que, durante todo este tempo, ainda não conseguiu lembrar-se se tinha estado verdadeiramente nestas festas e remete todas as perguntas para o resultado da investigação da polícia britânica sobre festas ilegais que ocorreram regularmente num recinto rodeado de... polícias!

O implacável e insaciável ciclo de notícias também tem dado a sua ajuda. Desde o príncipe André a ter perdido todos os títulos reais por causa da sua associação com o Jeffrey Epstein e estar acusado de abuso sexual de menores, até à possível invasão da Ucrânia, o que não falta são trincheiras onde o nosso amigo Boris pode esperar, cobardemente, até que a nova dança do TikTok nos distraia. Por isso enche-me de orgulho ver um compatriota nas notícias, a dar o exemplo de idoneidade e a assumir a responsabilidade por quebrar as regras de isolamento da pandemia... mas só após as infracções virem a público. Mais vale tarde do que nunca!

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