Fardas: quando a balança pende para a uniformização

Um país que venera o vice-almirante Gouveia e Melo, agora almirante, desculpa, revela descaradamente a sua paixão por fardas. E, de facto, para serem coerentes deviam estendê-las às escolas.

Foto
"A farda facilita mesmo a vida dos pais. Poupa em tempo, paciência, água e electricidade" @designer.sandraf

Querida Mãe,

Qual é a sua opinião sobre fardas na escola?

Quando andava de farda, adorava. Sempre odiei escolher roupa e por isso era um alívio. Depois quando estudei Educação fui “contra”. Achava que era bom as crianças poderem trazer toda a diversidade de casa, que se pudessem expressar como quisessem, e que talvez levasse até a uma forma mais individual dos professores olharem para cada criança. Mas neste momento, em que estou aqui a arrumar as roupas espalhadas no chão do quarto das gémeas (que não usam farda), e a comparar com a simplicidade que tem sido a experiência com a M. que este este ano começou a usar farda, sinto que a balança pende para a uniformização! E sim, é claro que há argumentos pedagógicos pró e contra, mas vou focar-me naqueles que verdadeiramente interessam e que são os que começam com “A mãe...:”

#1 – A mãe não tem de abrir a gaveta e encontrar 600 rolinhos de T-shirts que a cria enrolou lá para dentro enquanto escolhia uma para usar.

#2 – A mãe não tem de lavar mil roupas diferentes só porque “ó mãe acha mesmo que vou para a escola vestida com a mesma roupa de ontem?!?”

#3 – “A mãe não tem de comprar calças de ganga que mudam de feitio de três em três meses porque “Deus me livre” de usar calças straight fit em fez de straight wide.

#4 A mãe pode postar nas redes sociais que é ecológica porque compra e lava menos roupa #vistoomesmopoloaosmeusfilhosumasemanainteira

#5 A mãe pode ser super liberal e dizer que os filhos podem escolher entre a camisola da farda normal ou formal #maecool

O que lhe parece? Do ponto de vista dos miúdos quais são os melhores argumentos?

Beijinhos


Querida Ana,

Um país que venera o vice-almirante Gouveia e Melo, agora almirante, desculpa, revela descaradamente a sua paixão por fardas. E, de facto, para serem coerentes deviam estendê-las às escolas.

Bem vistas as coisas, os adolescentes já andam de farda, quanto mais siameses melhor, com as mesmas calças, cintos, camisas, bandoletes e, claro, sapatos de ténis, mesmo que uns sejam originais e os outros cópias do chinês.

Só que a farda ditada pela moda muda depressa, e as gavetas enchem-se à velocidade da luz porque as grandes cadeias tornaram o preço da roupa acessível, de tal forma acessível que há aterros de roupa que ninguém quer e que vão levar anos-luz a desmaterializarem-se.

Mas num tempo de seguidores da Greta, espera-se o mínimo de coerência: podes já começar a pregar que há 40 mil toneladas de roupa acumuladas só no deserto do Atacama, no Chile, ou que 10% das emissões mundiais de carbono são provocadas pela indústria da moda (e ainda andam a culpar as pobres vacas alentejanas). Aliás, números para catequizares as minhas netas não faltam, mas, sei também, que sou a mais incoerente das militantes. Serei a primeira a comprar-lhes uma camisola nova.

Falando ainda mais a sério: a farda facilita mesmo a vida dos pais. Poupa em tempo, paciência, água e electricidade. E se por cá ficou conotada como coisa de meninos de escola privada/betos/meninos ricos, há países como o Reino Unido em que é obrigatória nas escolas públicas exactamente porque esbate as diferenças sociais e de poder de compra. É claro que os miúdos mais velhos não devem gostar, mas as regras impostas têm a vantagem de serem um desafio à contestação. Lembro-me de como saltávamos à corda com a gravata da farda, e fazíamos bainhas para encurtar as saias, tudo incentivos à criatividade.

Mas como ninguém vai impor fardas em vida escolar útil das tuas filhas e, provavelmente a tua Birra — embora tão conforme aos direitos das mulheres, das mães e a um tempo de luta contra as alterações climáticas — vá acabar vilipendiada como “fascista”, trata de afixar as tuas cinco directivas no frigorífico.

E enquanto apanhas a roupa do chão pensa que essas calças straight lá o que é, favorecem a auto-estima e tornam mais fácil a integração social. São, afinal, uma versão mais colorida e em conta do que uma sessão de psicoterapia. Boa sorte.


No Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Mas, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários