Regionalizar: porquê e como?

A descentralização, por si só, não tem impacto no desenvolvimento económico ou social das regiões mais pobres; excepto em contextos em que a qualidade das instituições públicas é alta.

A regionalização é um tema perene da política portuguesa, que voltou à discussão nesta campanha eleitoral. Apesar da sua ressurgência periódica, considero que falta um debate aprofundado sobre o porquê e o como.

No contexto internacional, as regiões eram criadas historicamente por motivos políticos. Em territórios grandes e diversos do ponto de vista religioso, linguístico, ou outro, estas permitiam manter a unidade nacional respeitando a autonomia das várias comunidades. Os países federados serão o exemplo mais extremo, mas o mesmo ímpeto pode-se observar em Espanha ou na Bélgica, onde a descentralização ocorreu de forma progressiva. Talvez por isso nunca se criaram regiões em Portugal continental, já que não existem movimentos com base territorial a exigir autonomia face ao centro.

No nosso contexto, os defensores tendem a argumentar que as regiões permitiriam aproximar o poder da população e que facilitariam o desenho de políticas públicas que se adequassem melhor a cada território. No entanto, embora este seja um princípio que intuitivamente faz sentido, isto na prática nem sempre se verifica. O que os estudos indicam é que a descentralização, por si só, não tem impacto no desenvolvimento económico ou social das regiões mais pobres; excepto em contextos em que a qualidade das instituições públicas é alta. Ou seja, descentralizar só compensa quando o Estado funciona bem e, nesse caso, os resultados são de fato positivos.

Antes de regionalizar é preciso, portanto, garantir uma melhoria das instituições, especificamente através de duas linhas de ação: profissionalização da administração pública e imparcialidade nas relações do Estado com a sociedade. O primeiro objetivo consegue-se limitando o número de cargos de confiança política no setor público e combatendo o nepotismo. O segundo com transparência e luta contra a corrupção. O Estado só se aproximará de verdade dos cidadãos se houver mecanismos para que não seja capturado por grupos de interesse.

Assumindo que o princípio da melhoria das instituições é concretizado, fica ainda por decidir como se deve proceder. A verdadeira divisão territorial em Portugal não é entre norte e sul, mas sim entre litoral e interior. Cerca de 70% a 80% da população portuguesa vive na faixa litoral que vai de Braga a Setúbal, e outros 5% ao longo da costa entre Lagos e Vila Real de Santo António. É legítimo perguntar se as cinco regiões plano atuais são as mais adequadas para resolver estas assimetrias. Por exemplo, podemos assumir que os governos regionais do Centro ou Norte buscariam ativamente soluções para o declínio demográfico de concelhos como a Covilhã ou o Peso da Régua, ou seriam dominados pelos interesses económicos e sociais dos concelhos costeiros? Mais a sul, haveria um investimento sério na recuperação da serra algarvia, ou a futura região estaria condicionada pelos interesses do setor turístico? Dito de outra forma, seria fundamental evitar que da excessiva centralização em Lisboa se passasse para a excessiva centralização nas capitais regionais.

Uma solução relativamente simples seria o de legislar o princípio da coesão territorial, que forçasse a discrimininação positiva dos concelhos com menos população e/ou mais pobres em termos de investimento público. Poder-se-ia também reforçar as comunidades intermunicipais do interior, para garantir a sua capacidade de reivindicação. Uma solução mais radical seria um mapa de regiões mais ajustado aos nossos problemas de desenvolvimento, que incluísse por exemplo uma região interior norte, que incluiria Trás-os-Montes e Alto Douro, Beira Alta e Beira Baixa, e uma para o interior sul, englobando o Alentejo e o interior algarvio. Estas não corresponderiam obviamente às regiões históricas portuguesas, mas permitiram dar mais força política e financeira ao interior do país.

Estas propostas são apenas sugestões, cujo objetivo é pedir aos intervenientes que debatam a sério o tema antes de pedir ao país que responda com um simples sim ou não a uma questão complexa, com implicações para o futuro do país.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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