Poesia “cubista” de Gertrude Stein publicada pela primeira vez em Portugal

O livro Tenros Botões, de 1914, vai ser lançado em Fevereiro pela (não)edições, numa tradução conjunta de João Concha e Ricardo Marques.

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Gertrude Stein, uma das personalidades mais importantes para o fomento da arte no início do século XX Carl Van Vechten / wikicommons
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"Tenros Botões” (pela não-edições): ao fim de mais de um século, este livro de poesia poderá ser lido em português dr

Tenros Botões, um livro de poesia da escritora e coleccionadora de arte norte-americana Gertrude Stein, publicado originalmente há mais de cem anos, vai ser pela primeira vez editado em Portugal, numa tradução de João Concha e Ricardo Marques a ser lançada em Fevereiro pela (não)edições.

Datado de 1914, Tenros Botões (Tender Buttons) é composto por poemas em prosa que funcionam como pequenos quadros cubistas, nos quais o olhar percorre cada elemento de maneira a formar uma (ou mais do que uma) narrativa, explica a editora portuguesa.

O livro compõe-se de três partes –​ Objectos, Alimentos e Quartos – e está escrito de uma forma muito particular: a poeta usa uma linguagem experimental, recorrendo a repetições, abstracções, onomatopeias e ao que se designou de “cubismo verbal”, ao ponto de esta ter sido classificada como uma obra-prima da literatura cubista.

Tenros Botões” conta-se entre as obras mais profundamente influenciadas pelo cubismo, porque “leva a fragmentação e a abstrcação ao extremo”, observa a (não)edições. “Os textos assentam na observação instável e a diversos tempos de objectos inanimados, modos de cozinhar e hábitos gastronómicos, ou ainda detalhes arquitectónicos indissociáveis da própria deslocação do corpo ou do olhar”.

Ao fim de mais de um século, este livro de poesia, que agora se poderá finalmente ler em português, continua a causar escândalo, o que se prende com a rasura que Gertrude Stein faz das convenções poéticas. “Limando a linguagem até ao osso, a autora mostra ludicamente como a poesia é, antes de mais, música transferência, transformação e tudo isso junto”, diz a editora.

Patrona das artes

Gertrude Stein foi uma das personalidades mais importantes para o fomento da arte no início do século XX, tendo-se relacionado com expoentes da arte e da literatura modernista, de Picasso a Ernest Hemingway, passando por F. Scott Fitzgerald, Sinclair Lewis, Ezra Pound ou Henri Matisse. Do seu círculo de amigos faziam ainda parte nomes como Georges Braque, Derain, Juan Gris, Apollinaire, Francis Picabia e James Joyce.

Nascida a 3 de Fevereiro de 1874, na Pensilvânia, no seio de uma próspera família americana de origem judaica alemã, Gertrude Stein viveu os primeiros anos de vida em Viena e em Paris, mudando-se com a família para os Estados Unidos, em 1879, onde começou a frequentar a escola.

Revelando-se boa aluna, estudou Psicologia e Medicina, mas não terminou nenhum dos cursos e, aos 29 anos, estabeleceu-se em Paris, onde começou a escrever de forma consistente e desenvolveu uma faceta de coleccionadora e patrona das letras e artes, em especial dos cubistas.

Permaneceu em Paris até ao final da vida, fazendo de sua casa um dos mais míticos salões artísticos do século XX, e deixou uma obra vasta e “profundamente original”, que inclui, além de Tenros Botões, títulos como Three Lives (1909) e The Making of Americans (1925) ou ainda Paris França (1940) e A Autobiografia de Alice B. Toklas, dois títulos disponíveis em edições da Relógio D'Água.

Romances em verso

Com capas e desenhos a partir de pintura de Juan Gris, Tenros botões será publicado na Traditore, a colecção que a (não)edições dedica a traduções de poesia.

Nesta mesma colecção, foi publicado em Outubro de 2021 mais um livro da poeta e ensaísta canadiana Anne Carson, distinguida no ano passado em Espanha com o Prémio Princesa das Astúrias para as Letras 2020, e cujas únicas traduções portuguesas estão a ser feitas pela (não)edições. Vidro, Ironia e Deus juntou-se assim aos livros A Beleza do Marido e Autobiografia do Vermelho, primeiros livros de Anne Carson a serem editados em Portugal.

Com tradução da poeta e ensaísta Tatiana Faia, Vidro, Ironia e Deus é uma obra em que a autora entretece diversos fios poéticos, antigos e contemporâneos, num conjunto de seis textos: cinco longos poemas e um ensaio final em prosa. Aqui se incluem O Ensaio de Vidro, sobre o fim de um amor contado a partir de leituras de Emily Brontë, Homens da TV, onde Heitor de Tróia, Artaud e Safo, entre outros, figuram como personagens televisivas, ou A Queda de Roma, a propósito de uma viagem de Carson para descobrir a cidade e a sua tentativa de ultrapassar a terrível alienação que aí sentiu.

A poesia de Anne Carson tem sido caracterizada pelos críticos como ensaios, pequenas palestras ou narrativas em verso escritas numa voz singular.

Autobiografia do Vermelho, publicado em 2017, com tradução de João Concha e Ricardo Marques, é um “romance em verso” levemente baseado no episódio da mitologia grega relativo ao décimo trabalho de Hércules, no qual este semideus tem de matar um monstro alado vermelho, que vive numa ilha vermelha a pastorear gado vermelho.

A Beleza do Marido, publicado em 2019 e também traduzido por Tatiana Faia, é um ensaio ficcional em 29 tangos, como lhe chama a própria autora, que tem como ponto de partida a noção do poeta oitocentista inglês John Keats sobre a verdade e o poder da beleza.

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