“No dia em que fiquei cego, decidi ser fotógrafo”, disse Al Berto

É preciso normalizar cada trabalho. Se existem, é porque são necessários. Se tu queres esse trabalho, mesmo que possa resultar em angústia ou em desprezo por parte de terceiros, segue-o. Para todos os que já viram o filme O Clube dos Poetas Mortos: carpe diem, amigos.

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Javier Allegue Barros/Unsplash

Talvez a afirmação de Al Berto no título deste texto seja só um paradoxo e não propriamente algo profundo. Uma lição de moral. Uma frase intelectual. Pesquisei o seu significado pelos mais diversos sites e pelas mais diversas vezes, sem qualquer sucesso. Talvez nem seja suposto nós sabermos: só Al Berto. Pode ser como uma música em que deixamos lugar para a imaginação e que um dia fará sentido de acordo com os acontecimentos da nossa vida.

Conheci esta frase numa aula de Cultura Visual, onde, em conjunto, aprendi sobre os episódios The Ways of Seeing, de John Berger, e a experiência psicológica de Oliver Sacks sobre um cego que voltou a ver ao fim de 50 anos. Disciplina incrível, mas nunca me deu a entender o que esta frase queria transmitir.

Uma (e única) teoria que se poderia aplicar a esta frase seria o facto de Al Berto ter tido uma vida inteira para ser algo, mas, quando outro algo o impediu disso, começou a ser esse alguém que, agora, é impossível. E tantas que isso nos acontece. Seja no trabalho dos nossos sonhos, seja em oportunidades de vida, seja no amor e no desamor, seja em escolhas que, por sua vez, pareceram infinitas.

Ser cego e fotografar não é impossível. Luís Rocha, um dos fundadores do Movimento de Expressão Fotográfica (MEF), disse: “A imagem pode não ser visível, mas é construída com memórias, sensações, impressões. Nós vemos e depois interpretamos. Eles interpretam para depois sentirem. Sentirem, verem.” Já em 2021, todos nós tivemos a honra de conhecer a história de João Maia, um fotógrafo cego do Piauí. Uma história de vida incrível que nos pôde ensinar que nada é impossível quando queremos muito algo.

Acho que nós, pessoas a partir dos 20 anos, temos sempre aquela ilusão de que não podemos ser mais nada do que aquilo para o qual estudámos, do que aquilo que sabemos que dá trabalho e onde podemos ter uma vida segura. Vivemos a vida toda num trabalho de que não gostamos, sempre a questionarmo-nos sobre onde estaríamos se tivéssemos feito a escolha do nosso coração e não a da lógica. Infelizmente, em Portugal é difícil ser alguém no mundo da cultura. Não há apoios suficientes e o desemprego é uma hipótese sempre presente.

Tanto oiço os meus pais dizerem que estão arrependidos por não terem ido para o curso que queriam e como a vida deles poderia estar melhor agora. Tantas vezes vejo o meu irmão a pressionar-se para ir para o trabalho das 8h às 17h quando queria estar a cozinhar e a expandir a sua cultura gastronómica. Tanto digo aos meus amigos para que sigam algo de que gostem e não algo que os media dizem para eles gostarem. Tantas vezes vejo o senhor Marcos nas praias da Cova do Vapor, pescador há uma vida – um trabalho humilde que pouco dá quando não há sorte na vida –, mas sempre com um sorriso no rosto sem demonstrar qualquer arrependimento.

Esta tristeza que as pessoas carregam é algo que ninguém quer e eu admito que é um medo que me consome nestes últimos dias da licenciatura. Sei que não sou a única e por isso elogio e tenho uma grande admiração pelos jovens que seguiram cinema, teatro, fotografia, artes, dança e canto. Jovens que quiseram ir para um curso totalmente diferente do que os pais queriam. Admiro todos os adultos que desistiram do emprego que os tornava miseráveis e seguiram o que queriam para a sua vida sem qualquer apoio ou garantia.

É preciso normalizar cada trabalho. Se existem, é porque são necessários. Se tu queres esse trabalho, mesmo que possa resultar em angústia ou em desprezo por parte de terceiros, segue-o. Para todos os que já viram o filme O Clube dos Poetas Mortos: carpe diem, amigos.

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