Vamos assumir um compromisso? Repto a todos os partidos e ao próximo Governo
Falta à mesa do Conselho de Ministros um responsável político que trate do conjunto de direitos e matérias que assistem e dizem diretamente respeito às crianças. Sem esta resposta política, Portugal continuará a deixar as crianças e a promoção dos seus direitos para segundo plano.
Ao longo destas semanas temos vindo a conhecer os programas eleitorais dos partidos políticos que se candidatam às eleições legislativas do próximo dia 30 de janeiro. Seria importante que estes refletissem uma visão programática para a realização, dignificação e valorização dos direitos da criança no nosso país, com um desenho diferente de organização de responsabilidades.
Como UNICEF, temos décadas de experiência e conhecimento acumulados, que podemos e queremos partilhar, na construção de propostas e compromissos para a mudança. Esta proposta nasce de uma constatação, que atravessa os anos e diversas legislaturas: em Portugal, existe – ainda – uma forte ausência de ações políticas transversais e consistentes direcionadas para as crianças. Esta não é uma crítica ao atual governo, ou ao anterior, ou ao próximo. É uma crítica mais profunda, que resulta de uma ausência estrutural e sistémica de políticas públicas transversais, planeadas, coordenadas e coerentes para as crianças e jovens. Da ausência de uma visão articulada para as crianças e jovens e os seus direitos, capaz de moldar e influenciar positivamente a imensa produção legislativa, administrativa e regulamentar que o país produz, tanto ao nível governamental, como parlamentar, dos serviços das administrações central, regionais e locais.
Mas tão importante como as propostas que possam surgir nos programas eleitorais, é a ação que se segue. A dedicação e empenho na implementação de soluções concretas. Estas apenas são possíveis se existir um agente com essa missão. Falta à mesa do Conselho de Ministros um responsável político que trate do conjunto de direitos e matérias que assistem e dizem diretamente respeito às crianças. Falta, ao nível político, definição, coordenação, implementação, monitorização e avaliação de impacto das políticas dedicadas às crianças, capazes de facilitarem a sua concretização em todas as áreas. Sem esta resposta política, Portugal continuará a deixar as crianças e a promoção dos seus direitos para segundo plano. Os esforços e as iniciativas que existem não vão ter todo o impacto que precisamos.
Devemos fazer mais e melhor. Ser ambiciosos e concretizar. Países como a Irlanda ou a Noruega têm um ministro para os Assuntos da Criança e do Jovem, ou um Ministério das Crianças e das Famílias, respetivamente. Na Nova Zelândia, o Ministério para a Criança ou, no Canadá, o ministro das Famílias, Crianças e Desenvolvimento Social, ou em Espanha, onde o alto-comissário para a luta contra a pobreza infantil do governo espanhol, Pau Marí-Klose, afirma que a pobreza na infância condena uma vida. São exemplos de estruturas governamentais dedicadas às crianças e jovens e à gestão das suas políticas. A intransigente defesa do superior interesse das crianças deve ser um corolário fundamental da governação. Se, em Portugal, não temos um secretário de Estado ou um ministro especificamente para tutelar esta realidade, deveríamos ter.
Estas são as razões pelas quais é tão importante termos uma visão articulada, coerente e de conjunto, com responsabilidade consagrada ao nível governamental, garantindo a existência de um agente com capacidade de agregar, decidir e implementar. É este o desafio que lanço a todos os partidos candidatos às próximas eleições legislativas: que pensem como consagrar esta resposta nos seus programas eleitorais e que assumam o compromisso de forma inequívoca. Que como governo, ou oposição, apoiem uma solução, que lhe deem força e que a implementem. Por todos nós. A infância não é a promessa de um futuro, é um momento concreto e único, vivido no presente.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico