Que futuro para os recursos humanos na Administração Central
Quando um quinto das vagas para estágios na função pública dirigidos a jovens licenciados fica por preencher, algo está errado.
O Boletim de Estatística do Emprego Público [1] relativo ao ano de 2020, elaborado pela Direção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP), revela que 75,9% do emprego na administração pública provem do subsetor Administração Central. Este subsector engloba, entre outros, os serviços administrativos do Estado, organismos centrais cuja competência respeita à totalidade do território e exclui toda a Administração Local.
Mais de 60% dos trabalhadores da Administração Central tem idades compreendidas entre os 45 e os 65 anos de idade e, nas áreas governativas das Finanças – que incluem, por exemplo, entidades de auditoria – ou da Coesão Social – que incluem, por exemplo, as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional –, são mais de 50% os trabalhadores com idade superior a 55 anos.
O índice de juventude na Administração Central é fraco pois, por cada 100 trabalhadores com idades entre os 55 anos e os 64 anos, existem apenas 23,2 trabalhadores com idade inferior a 29 anos.
Quando um quinto das vagas para estágios na função pública fica por preencher, no âmbito da segunda fase do EstágiAP XXI, programa impulsionado pela DGAEP e pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), e cujo principal objetivo é de permitir um primeiro contacto dos jovens com a Administração Central do Estado, numa lógica de transmissão e renovação dos mapas de pessoal, algo está errado.
Este programa integra-se na dimensão Transição Digital enquanto alavanca para transformar a administração pública, promover o aumento da produtividade e valorizar as qualificações e competências dos jovens por via do contacto com boas práticas e, sobretudo, sentido de interesse e serviço público.
Se analisarmos os dados constantes da lista definitiva de candidatos colocados nesta segunda fase, vemos que estes objetivos podem estar longe de ser atingidos e a justificação para a falta de candidaturas, ou possível desistência, não pode ser apenas imputável aos jovens candidatos com a “perda de interesse”.
A distribuição por sexo acompanha a tendência positiva, das últimas décadas, da predominância das mulheres na administração pública, onde mais de 60% dos candidatos são jovens do sexo feminino. Traduz também uma procura de licenciados em áreas “clássicas” como direito, economia, gestão, contabilidade e finanças, que pode significar uma maior atenção com fatores relacionados com a gestão corrente dos serviços.
A colocação de mais de 65% dos candidatos em Lisboa – 90 jovens – contrasta com os 13 que vão ser colocados na região Norte. Este dado revela a contínua centralização dos serviços da Administração Central, sem que, ano após ano, algo seja feito para contrariar esta tendência, a falta de descentralização de serviços, especialmente à escala regional, ou a quase inexistente mobilidade de trabalhadores para zonas de interior ou de baixa densidade.
Acresce ainda que atribuir um valor de 1007,49 € brutos de remuneração – equivalente à primeira posição remuneratória da carreira de técnico superior – não permite a um jovem, fora da zona de Lisboa ou que não viva com ajuda de familiares, permanecer nove meses na capital para completar a totalidade do período de estágio.
Contribui também para a “perda de interesse” estes estagiários não terem qualquer expectativa de futura vinculação nos mapas de pessoal dos organismos onde vão trabalhar, não sendo suficientemente atrativa uma possível classificação majorada, em dois valores, na lista de ordenação final de candidatos em futuros procedimentos de recrutamento.
Mas há ainda outros fatores que contribuem para a “perda de interesse”.
As dificuldades processuais em recrutar tendo em conta o emaranhado de entidades, autorizações, legislação e regulamentação que tem de convergir para autorizar quer a mera abertura de um procedimento, quer a ordenação e classificação final dos candidatos, e que arrastam a duração destes processos em vários anos.
A compressão salarial que a administração pública sofre nos últimos anos, especialmente com a subida da Retribuição Mínima Mensal Garantida para os 705€ sem que os restantes escalões remuneratórios sejam alterados, poderá agravar-se e é pertinente que a DGAEP, por exemplo num futuro próximo, reflita sobre a evolução desta retribuição e do impacto que terá nos escalões mais baixos ao nível dos Técnicos Superiores.
Um sistema de avaliação desadequado, que não permite premiar os melhores quadros e que impede uma progressão pelos diversos escalões remuneratórios.
É importante, por isso, olhar para o necessário rejuvenescimento dos quadros da Administração Central, sem preconceitos ideológicos, desenvolvendo um novo modelo de recrutamento, promovendo a mobilidade, entre carreiras e geográfica, apostar em atualizações salariais, ganhos de produtividade, prémios de desempenho e não ceder à vox populi.
Na relação do emprego público face à população empregada, Portugal encontra-se abaixo da média dos 18% apresentada pelos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico, e muito abaixo dos 30% que países do Norte da Europa, como a Noruega, Suécia e Dinamarca, possuem [2].
[1] Boletim de Estatística do Emprego Público n.º 21, 2011-2020, junho de 2021.
[2] Government at a Glance – yearly updates, Indicator: Employment in general goverrnment as a percentage of total employment, 2021
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico