Médicos pedem campanha para promover vacinação de crianças. “Todos vacinados somos mais fortes”

Houve poucos dias de vacinação para faixa etária entre os cinco e os oito anos. Elevadas taxas de infecção entre os mais novos ajudam a justificar que inoculação não tenha sido reaberta uma segunda vez este mês.

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Pais "precisam de ter em quem confiar” Daniel Rocha

A fraca taxa de adesão à vacinação das crianças entre os 5 e os 11 anos com a dose pediátrica contra a covid-19 pode ser explicada pela desconfiança dos pais num medicamento novo. Mas existem mais factores que podem desvendar um fenómeno que não é exclusivamente português: países como a Itália, a França ou a Alemanha apresentam taxas inferiores à portuguesa. A nível nacional foram inoculadas quase metade das crianças entre os cinco e os onze anos, percentagem que no entanto baixa para os 30% quando olhamos apenas para os menores de cinco anos de idade.

A Direcção-Geral da Saúde (DGS) não se mostra preocupada, tendo em conta que as oportunidades de vacinação do escalão mais novo – dos cinco aos oito anos – foram menores do que as do escalão seguinte. Ou seja, houve mais dias de vacinação para quem tinha entre nove e onze anos do que para os mais jovens. Não explica porquê.

Certo é que chegou a ser equacionada a reabertura da vacinação para estas duas faixas etárias uma segunda vez em Janeiro, mas a task-force desistiu de o fazer. Com tantos menores atingidos este mês pela pandemia talvez não fizesse sentido, equaciona a DGS. Desde o arranque das aulas a 10 de Janeiro têm-se infectado, a cada dia, uma média de 3400 crianças até aos nove anos.

Por outro lado, refere também o mesmo organismo, o relativo insucesso que marcou também os primeiros tempos de vacinação dos adolescentes transformou-se, meses depois, numa forte adesão.

Marcada para 5 e 6 de Fevereiro, a próxima inoculação pediátrica mostrará se se mantém o “esperar para ver”. Ana Patrícia Hilário, do Instituto de Ciências Sociais, é uma das coordenadoras nacionais de um projecto europeu intitulado Vax.Trust, que visa estudar o chamado fenómeno da hesitação vacinal. A designação abrange quer os pais que recusam quer os que adiam o momento de fazer os filhos aderir ao Plano Nacional de Vacinação. Embora este trabalho não esteja focado no covid-19, nas entrevistas já realizadas pela sua equipa ficou claro que quer num caso quer no outro há progenitores que sentem uma grande necessidade de discutir com os profissionais de saúde que os acompanham mais de perto as vantagens e desvantagens da inoculação.

“Precisam de ter em quem confiar”, observa a investigadora, “mas os profissionais de saúde estão demasiado assoberbados para terem tempo para falar com eles”.

Centros de vacinação exclusivos

À desconfiança gerada por rumores sem fundamento – como efeitos a longo prazo na fertilidade – junta-se a ideia de que a vacina não trará grandes benefícios aos mais novos, uma vez que poucos são raros aqueles que a doença atinge com gravidade. Para o presidente da Associação de Médicos de Saúde Pública, Tato Borges, era importante as autoridades de saúde desencadearem uma campanha que pusesse fim às crenças e difundisse uma ideia simples: “Todos vacinados somos mais fortes.” Afinal, assinala, são mais frequentes as miocardites (inflamação do músculo cardíaco) nos menores que contraíram a doença do que nos que foram inoculados.

“O ideal era que se tivessem criado centros de vacinação exclusivamente para crianças”, observa. A hesitação vacinal, atribui-a sobretudo à tal suposta falta de utilidade do medicamento em cenário pediátrico. Já o epidemiologista Carmo Gomes fala dos boatos propagados nas redes sociais, aliados ao discurso cauteloso de alguns pediatras sobre a falta de benefícios desta vacina para os mais pequenos. “Neste momento já há evidências científicas sobre a quase inexistência de reacções adversas. Foram inoculadas nos EUA quase nove milhões de crianças. Não é suficiente?!”, interroga.

"Não digo a nenhum pai para fazer ou não"

Para o presidente da Sociedade Portuguesa de Alergologia Pediátrica não é. Aos pais que lhe passam pelo consultório, avisa-os dos prós e dos contras. “Não digo a nenhum pai para fazer ou não fazer a vacina”, resume. Mas defende não existirem evidências científicas suficientes que recomendem a sua utilização em menores saudáveis, tendo em conta que nestas faixas etárias não se verificam efeitos graves. “A população norte-americana tem características diferentes da nossa”, avisa.

O debate soma e segue, em Portugal como no resto do mundo. Números divulgados no final desta semana mostram que apenas 27% das crianças norte-americanas dos cinco aos onze anos receberam até agora a primeira dose. Em Portugal, foram inoculadas até agora cerca de 320 mil crianças. Falta quase outro tanto.

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