ONU investiga massacre de dezenas de pessoas pelo Exército e por mercenários russos na República Centro-Africana
Operação militar na cidade de Bria terá envolvido o grupo Wagner e elementos das Forças Armadas.
As Nações Unidas estão a investigar as suspeitas de um massacre na República Centro-Africana (RCA), com dezenas de civis mortos, ocorrido nos dias 16 e 17 de Janeiro, e levado a cabo a cabo por uma operação conjunta das Forças Armadas do país e mercenários do grupo russo Wagner.
A operação, que decorreu perto da cidade de Bria, a 600 quilómetros da capital, Bangui, visava a União para a Paz na África Central (UPC), um dos principais grupos rebeldes armados activos na região Leste do país, disse na sexta-feira uma fonte da ONU à agência de notícias francesa AFP, sob anonimato.
“Mais de 30 civis foram mortos, alguns por balas perdidas”, acrescentou a mesma fonte, referindo também a possibilidade de pilhagem pelos promotores na operação militar.
“As Forças Armadas da República Centro-Africana e os russos cometeram um massacre”, disse à AFP outra fonte militar do país. “Houve execuções sumárias e estamos a falar de mais de 50 mortos”, afirmo.
“Não tenho conhecimento deste ataque”, respondeu, por seu turno, Albert Yaloke Mokpeme, porta-voz da presidência centro-africana.
A missão das Nações Unidas na República Centro-Africana (MINUSCA) comprometeu-se a entrevistar os sobreviventes, a fim de esclarecer os factos, adiantaram fontes da ONU.
Porém, o serviço de comunicação da ONU, quando contactado pela AFP, recusou-se a comentar o assunto, refere a agência francesa.
Classificado pelas Nações Unidas como o segundo país menos desenvolvido do mundo, a RCA mergulhou num conflito sangrento após um golpe de Estado em 2013.
No final de Dezembro de 2020, dias antes das eleições presidenciais, os principais grupos armados – que já controlavam dois terços do país – lançaram uma ofensiva para derrubar o Presidente, Faustin Archange Touadéra, que concorria a um segundo mandato.
Após um forte declínio de intensidade do conflito, a guerra civil reacendeu-se subitamente. Os rebeldes, incluindo a UPC, unidos no seio da Coligação de Patriotas para a Mudança (CPC) chegaram mesmo às portas da capital, há um cerca de um ano.
Esta crise militar levou o Presidente Touadéra a pedir ajuda à Rússia para contrariar a ofensiva dos grupos armados, salvando o seu poder.
Mas a presença de paramilitares do grupo de segurança privado russo Wagner é cada vez mais controversa e os ataques rebeldes continuam.
Em meados de 2021, o Painel de Peritos da ONU sobre a RCA e o controlo do embargo de armas imposto ao país denunciaram abusos cometidos contra civis durante as operações das forças de segurança do país e do grupo Wagner, que tem um contrato com as autoridades locais.
O próprio Governo da RCA tinha reconhecido, em Outubro, certas acusações feitas pela ONU, nomeadamente sobre crimes e actos de tortura, cometidos “principalmente” por rebeldes, mas também por militares das suas Forças Arandas e seus aliados.
O grupo privado russo Wagner tem a reputação de estar próximo do Kremlin e, de acordo com os seus críticos, de receber ordens do Ministério da Defesa russo.
Moscovo reconhece oficialmente a presença de 1135 “instrutores desarmados”, mas as ONG que operam no terreno, a França e a ONU afirmam que alguns deles são homens do grupo privado de segurança russo Wagner, algo que a Rússia nega.
Na última reunião do Conselho de Segurança sobre o conflito na RCA, os Estados Unidos pediram a Moscovo que investigasse os abusos atribuídos a cidadãos russos.
O painel de peritos da ONU não está a funcionar desde 31 de Agosto. A renovação dos dez membros do grupo pelo secretariado da ONU foi bloqueada no Verão passado pela Rússia, que acredita que a sua composição é dominada pelo Ocidente e não reflecte a diversidade geográfica real.
Hoje, o bloqueio persiste, disseram vários diplomatas à AFP. O Ocidente suspeita que a Rússia tem interesse em não encontrar uma solução para este longo e raro impasse.
O presidente da RCA decretou a 15 de Outubro “um cessar-fogo unilateral” pelo seu Exército e aliados, para promover a abertura de um diálogo. Os principais grupos armados, por seu lado, também anunciaram o respeito pelo cessar-fogo. Mas alguns, tais como a UPC, continuaram os ataques contra civis e soldados.
A RCA caiu no caos e na violência em 2013, depois do derrube do ex-Presidente François Bozizé por grupos armados juntos na intitulada Séléka, o que suscitou a oposição de outras milícias, agrupadas sob a designação anti-Balaka.
Desde então, o país tem sido palco de confrontos, que obrigaram quase um quarto dos 4,7 milhões de habitantes da RCA a abandonar as suas casas.
Na RCA estão destacados 191 militares portugueses, integrados na MINUSCA.
No âmbito da missão da União Europeia (EUTM-RCA) de formação e aconselhamento das forças de segurança e defesa, estão empenhados outros 26 militares.
Em 30 de Setembro, a 10.ª Força Nacional Destacada (FND) para a RCA recebeu o Estandarte Nacional e está operacional desde 15 de Novembro. O seu comandante é o tenente-coronel Jorge Pereira.