Pela voz das pessoas moderadas

A pluralidade democrática não prevê que haja apenas uma diversidade de partidos, mas que estes possam igualmente defender coisas diferentes. Senão, seria o mesmo que escolher uma única peça de roupa, ainda que com possibilidades de obter tamanhos variados.

Foto
LUSA/PEDRO PINA

Discutir a política costuma ser uma actividade acalorada, particularmente quando envolve pessoas afiliadas a algum partido ou os/as debatentes defendem profundamente uma posição do espectro partidário. O texto de Janine da Silva, À direita salvam-se os ricos, mas no fim morremos todos, publicado a 18 de Janeiro de 2022, evidencia isso mesmo, portanto, a adopção de uma postura de combate com afinco por uma matriz que a autora considera, não a mais benéfica, mas antes a única que consegue resolver os verdadeiros problemas sociais e climáticos, a de esquerda.

Ora, analisemos por partes o seu artigo nos pontos que considero mais importantes para salientar a minha divergência. Nos inícios do texto, é escrito que, a partir dos debates para as legislativas de 2022 que se realizaram nas últimas duas semanas, “ficou bem claro que as lutas e prioridades abraçadas pela esquerda são bem distintas das da direita”. Se esquecermos o adjectivo “bem”, ficamos apenas com o argumento de que estas duas maneiras de se fazer política são divergentes nas suas preocupações. Ora, como não poderia deixar de ser. A pluralidade democrática não prevê que haja apenas uma diversidade de partidos, mas que estes possam igualmente defender coisas diferentes. Senão, seria o mesmo que escolher uma única peça de roupa, ainda que com possibilidades de obter tamanhos variados.

Mas aceitemos que o que advoga a direita é mesmo “bem” diferente daquilo por que a esquerda pugna e vice-versa. Enquanto leitores/as pensamos no que sustenta uma afirmação tão segura daquilo que pretende transmitir, ou seja, perguntando de outro modo, segundo a autora, em que é que se diferenciam os partidos de esquerda e os de direita. E é aqui que a minha discordância aflora com força. Não é que somente a esquerda é capaz de olhar por aqueles/as que sofrem de pobreza ou para os problemas cada vez mais iminentes trazidos pelas alterações climáticas? A direita é incapaz de olhar para as desigualdades sociais, sejam elas feitas de qualquer matéria dimensional, e só a esquerda é competente para uma luta que reclame a atenuação daquelas… (Ironia).

Vale a pena começar por referir um ponto que deve parecer óbvio a qualquer eleitor/a moderado/a: nem toda a esquerda e nem toda a direita são feitas da mesma matéria-prima. Os partidos de esquerda que participaram nestes debates pré-campanha eleitoral actuam num campo que vai do centro-esquerda (PS) a uma esquerda pura e dura (BE, CDU e Livre), o mesmo acontecendo ao nível do centro-direita (PSD) e da direita mais tradicional (CDS) ou liberal (IL). Generalizar as ideias da direita e dicotomizar, divinizando uns e demonizando outros, é precisamente aquilo que os/as radicalistas fazem e mais desejam, porque através desse ódio que lhes damos conseguem produzir acção política capaz de mobilizar o descontentamento contra os mais fundamentais pilares da nossa democracia.

É de salientar que a autora também lamenta que as questões ambientais sejam mais trabalhadas por um partido que defende não se rever na configuração convencional do espectro político – sem nunca referir que tal partido é o PAN. Uma vez mais, utiliza o argumento de que a justiça social e a igualdade são causas unicamente de esquerda e que não se afirmar como tal é ignorar a complexidade, a multidimensionalidade e a interligação entre estes valores. É curioso, por um lado, que exista um pensamento, frequente em inúmeras conversas sobre temas fracturantes, de que as classificações “esquerda”, “centro” ou “direita” precedem os argumentos que assim são conotados. Todos nós temos nomes, mas antes de qualquer um nos ser outorgado nós estamos cá com as nossas funções mais vitais; o nome dá-nos a existência social, indispensável ao sentido das nossas vivências, mas a nossa existência biológica chega antes de qualquer atributo social que nos queiramos dar ou que nos queiram conferir. Passa-se o mesmo com as causas que os partidos defendem, que só são de direita ou de esquerda porque se ligam a determinados pontos de vista ideológicos, e não o contrário. É por isso que dizer que uma pessoa de esquerda luta para acabar com a pobreza é uma falácia; ela luta para erradicar a pobreza e é por isso que é (ou pode ser, porque este não é critério decisivo) de esquerda. Por outro lado, preferir as categorias às ideias e às acções é, na minha óptica, fazer uma política má ou, pelo menos, analisar incorrectamente os fenómenos políticos. Se o PAN tem provas dadas ao nível do bem-estar animal e climático, e se Janine da Silva reconhece esses feitos, é estranho que um estatuto sirva como desculpa para não se votar em tal força partidária, como que se a fama de uma família valesse mais do que a família que tem essa fama.

É claro que concordo com outros pontos defendidos no artigo da autora, como ter havido demasiado enfoque em pequenas guerras e em conceitos vazios nos debates quando as propostas concretas e algumas temáticas ficaram-se por um patamar bastante inferior de discussão. Mas é porque queremos debate de conhecimento e de medidas passíveis de escrutínio que temos de criar um ambiente proporcionador de sentido crítico. Estabelecer realidades maniqueístas é o gás das forças do obscuro e do excesso e, pelo bem da multiculturalidade da política, é nosso dever cidadão que a acrisia não seja a regra dos relacionamentos quotidianos e das discórdias legítimas.

Sugerir correcção
Ler 5 comentários