Todos os meninos contam

Quanto mais conseguirmos evitar que o vírus cause infecção grave nos nossos meninos, melhor. Não existem cabalas nem conspirações encapotadas. A vacina defende as crianças, o vírus infecta.

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"A infância deveria ser saudável, feliz e despreocupada" EPA/LUONG THAI LINH

Quase sempre ser pediatra é uma alegria. Quando os “nossos meninos dos outros” ficam muito doentes e não recuperam, a tristeza é grande demais. A experiência permite aprender a lidar com a doença grave dos “nossos meninos dos outros”.

A profissão exige o delicado equilíbrio entre imparcialidade de emoções (que não podem interferir nos cuidados a prestar), a imprescindível empatia em medicina (fundamental na pediatria), e a torrente de sentimentos com que os meninos espontaneamente nos abraçam, enquanto os tratamos, em qualquer circunstância.

Todos os meninos contam.

É indiscutível: são necessários números em saúde. Tomam-se decisões baseadas na evidência científica, ponderando risco/benefício, de acordo com estatísticas. Na situação actual de pandemia, estamos dessensibilizados perante a contagem diária do número de internados em Cuidados Intensivos e de mortes? Os doentes não são números, são pessoas.

Todas as pessoas contam.

Se é verdade que existem sempre bolas pretas entre brancas, em qualquer profissão, o verdadeiro médico, não esquece o dia em que prestou o juramento hipocrático.

Todos os dias morrem doentes de todas as idades, por múltiplas causas. É a nossa única certeza humana: nascemos e vamos morrer. Quem trata crianças sente que é contranatura, quando isso acontece. Como pediatra de Ambulatório não assisto meninos gravemente doentes, no meu dia-a-dia. Mas lembro-me bem da impotência sentida por todos, médicos e enfermeiros, quando uma reanimação pediátrica não era bem-sucedida.

A infância deveria ser saudável, feliz e despreocupada.

Não sabemos explicar tudo com exactidão e rigor em medicina — é uma ciência humana. Devemos manter o foco, tentar perceber motivos, estudar, investigar. É assim que qualquer ciência avança. Não podemos paralisar de medo, deixar de tomar atitudes, acertadas escolhas e decisões sensatas, assaltados por “e se...”. É impossível controlar o que não depende de nós, o que é raro e surge aleatoriamente.

Concretizando sobre a vacina contra a covid-19: nove milhões de crianças vacinadas nos Estados Unidos, zero mortes associada à vacina. O objectivo de vacinar contra a covid-19 é proteger o máximo de pessoas, e por isso também crianças.

Todas as crianças contam.

Quanto mais conseguirmos evitar que o vírus cause infecção grave nos nossos meninos, melhor. Não existem cabalas nem conspirações encapotadas. A vacina defende as crianças, o vírus infecta.

Felizmente, na maioria dos casos na idade pediátrica, os sintomas são ligeiros ou moderados, mas não sempre. Depois da doença aguda pode surgir a doença persistente, a covid longa.

Todos os meninos contam.

Compreendo que o receio dos pais em vacinar seja maior perante a triste notícia do menino de 6 anos que morreu. Não existe maior tristeza do que a morte de uma criança, mas não existe neste momento uma relação causal. Devemos manter a racionalidade. Pelos dados já disponíveis sobre o facto, a probabilidade de ter sido a vacina é praticamente inexistente. Aguardamos conclusões, embora possam nem surgir.

Sou só uma pediatra.

Mas a minha opinião é a da maioria dos médicos que tratam crianças, e por isso volto a escrever: pais vacinem as vossas crianças. Não se deixem arrastar pelo alarmismo que infelizmente está a ser lançado na comunicação social. Não é fácil decidir quando está em causa o bem mais precioso, os filhos.

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